Entre as plantas aquáticas vasculares de ambientes salinizados, as plantas de
marismas (banhados costeiros salinizados na zona entremarés) são as mais cultivadas e
plantadas pelo homem, particularmente com a finalidade do estabelecimento de
barreiras naturais contra a erosão costeira e recuperação de áreas degradadas.Tolerantes
a variações de salinidade, submersão periódica e condições hipóxicas do solo, elas são
capazes de construir seu próprio ambiente formando estruturas biogênicas. A eficiência
das marismas criadas em reproduzir os atributos estruturais e funcionais de marismas
naturais ainda é questionada, particularmente se processos autogênicos são capazes de
manter o desenvolvimento das marismas sob alta intensidade de forçantes alogênicos.
Esta tese visou avaliar a estruturação temporal de marismas criadas através do plantio
das gramíneas bioengenheiras nativas Spartina alterniflora e Spartina densiflora em um
estuário micromareal, através da quantificação do processo autogênico e seu
relacionamento com a disponibilidade de N e P, heterogeneidade ambiental estuarina e
forçantes regionais. No Capítulo I, dois experimentos foram realizados em estufa
agrícola para avaliar os efeitos da densidade de plantio e disponibilidade dos nutrientes
N e P no desenvolvimento de mudas das gramíneas S. alterniflora e S. densiflora. Sob
alta disponibilidade de nutrientes plantas de S. alterniflora tiveram sua produção foliar
estimulada e produziram o dobro do número de hastes do que plantas não fertilizadas.
Densidades iniciais de 400 ou mais hastes m-2 resultaram em alongamento vertical
excessivo das hastes de S. alterniflora (cerca de 100 cm de altura). A adubação com
razão 2N:1P resultou em melhor perfilhamento de ambas espécies. O Capítulo II
descreve as similaridades e diferenças nas características estruturais de marismas
criadas pelo plantio de gramíneas bioengenheiras e marismas naturais de referência,
amostradas em 4 localidades no estuário da Lagoa do Patos (RS) durante o verãooutono
2012. Doze espécies de 8 famílias de angiospermas foram encontradas em 597
quadrados (0,5 X 0,5 m) observados. Todas marismas revelaram a presença de S.
alterniflora nos pisos entremarés baixos e marismas maduras exibiram de 3 a 7
espécies. Análises de Agrupamento e de Correspondência, conforme a matriz de
correlação das coberturas visuais, diferenciou as marismas maduras da maioria das
marismas criadas e jovens. As marismas amostradas distribuíram-se entre -0,28 m e
xii+0,91 m NML (nível médio da lagoa) e eram sujeitas a frequências de alagamento de
8,0 a 83,8% do tempo. As marismas maduras foram mais altas no entremarés do que as
marismas criadas e jovens locais, bem como possuíam maiores teores de matéria
orgânica (até 26,43%) e argilas (até 50%) no sedimento, além de menores teores de
fosfato na água intersticial. Os resultados sugerem forte soerguimento orgânico e alto
consumo de fósforo pela grande biomassa vegetal presente nas marismas maduras. A
posição baixa no entremarés das marismas criadas dificulta o desenvolvimento de seus
solos (baixos teores de finos e matéria orgânica) e resulta em redoxs positivos, devido
ao batimento de ondas. Soerguimento orgânico (4-5% matéria orgânica), baixos redoxs
(até -428 mV) e altos teores de N e P distinguem a parte mais continental de marismas
jovens na enseada eutrofizada Saco da Mangueira de suas áreas baixas no entremarés e
das marismas criadas. Maiores formações de biomassas aéreas nestes pisos altos das
marismas jovens é possível pela maior disponibilidade de P em condições reduzidas. O
Capítulo III faz uma avaliação dos papéis dos processos autogênicos e alogênicos no
desenvolvimento de uma marisma criada pelo plantio de S. alterniflora ao longo de 3
anos (2012-2015). O desenvolvimento da marisma progrediu de forma autogênica,
apesar de oscilações interanuais sequenciais de baixa vazão e de excessiva vazão
associadas, respectivamente, a eventos de moderada intensidades de La Niña e de El
Niño. Os blocos de plantio foram alagados 32,9-51,5% do tempo por águas com
salinidade média de 23-26 em 2012, por 61,9-69,5% do tempo por água oligohalinas (<
5) em 2014. Em 2012, o sedimento arenoso do plano entremarés possuía menos de 7%
finos, acumulando até 2015 altos teores médios de argilas (21,9 ± 10,9%) e matéria
orgânica (14,7 ± 4,6%). A biomassa vegetal na marisma criada cresceu até valores
máximos no segundo ano após o plantio (respectivamente, aérea= 1325-1364 g/m² e
subterrânea= 799-810 g/m²). As concentrações dos nutrientes intersticiais nos blocos de
plantio refletiram o vigor da alteração autogênica, ocorrendo redução dos teores de
fosfato na água intersticial possivelmente relacionados ao consumo pela vegetação,
aeração da rizosfera pelas plantas e/ou soerguimento orgânico da marisma, com
consequente aumento do potencial redox. O papel autogênico no desenvolvimento
estrutural da marisma criada parece ser suportado pela alta disponibilidade de nutrientes
nas águas superficiais e intersticiais do Saco da Mangueira.