O objetivo deste trabalho foi realizar um estudo descritivo sobre o perfil das
células granulocíticas e monocíticas na mucosa intestinal de cães naturalmente
infectados por Leishmania infantum, na presença ou na ausência do parasita no
intestino. Além disso, realizou-se um estudo de correlação entre a intensidade
parasitária e os fatores clínicos do hospedeiro, as células envolvidas e as alterações
histopatológicas da parede intestinal. Dos 39 cães avaliados, somente 20 foram
utilizados no estudo, sendo, 17 positivos para leishmaniose visceral canina (LVC) e
três negativos. Os animais com LVC foram eutanasiados no Centro de Controle de
Zoonoses (CCZ) de Ilha Solteira, SP, Brasil, e os negativos vieram a óbito natural
por motivos diversos. As técnicas de histoquímica e imunoistoquímica foram
utilizadas para marcar as células estudadas, identificar as amastigotas de
Leishmania e auxiliar nas análises histopatológicas do trato intestinal. Os cães foram
divididos em três grupos (G1, G2 e G3). Oito cães positivos para LVC e com
amastigotas de L. infantum no intestino foram selecionados para o grupo G1; nove
cães positivos para LVC sem amastigotas intestinais para o grupo G2 e, três cães
negativos compuseram o grupo controle (G3). Todos os animais não apresentaram
coinfecção parasitária gastrintestinal, mediante exames coproparasitológicos
realizados in vivo ou pos-morten. As variáveis clínicas dos animais, a intensidade
parasitária e a presença das células mononucleares (linfócitos T CD4+, CD8+ e
macrófagos) foram avaliadas por uma classificação semiquantitativa baseada em
escores que variaram de 1 a 4. Já as células granulocíticas (neutrófilos, eosinófilos e
mastócitos) foram quantificadas na mucosa (unidade de vilo e cripta - UVC),
submucosa e na muscular. Para as análises de comparação entre os grupos (G1,
G2 e G3), o teste de KrusKal-Wallis foi empregado para avaliar as váriaveis clínicas,
o teste t para células granulocíticas, e o teste de Duncan para comparar as células
monocíticas. As análises de correlação foram baseadas no teste de Spearman
(dados semiquantitativos) e no coeficiente de correlação linear de Pearson (dados
quantitativos). Formas amastigotas de L. infantum foram detectadas em 40% dos
animais (8/20) e estavam distribuídas na lâmina própria da mucosa (vilosidades e
criptas), submucosa e na camada muscular do intestino delgado e na mucosa e
submucosa do intestino grosso. A reação inflamatória mais destacada no grupo G1
foi caracterizada por infiltrado crônico de células mononucleares, principalmente
macrófagos, linfócitos e plasmócitos. Embora os cães do grupo G1 estivessem mais
clinicamente comprometidos, não diferiram estatisticamente do grupo G2 em todas
as variáveis estudadas, principalmente ao nível da mucosa intestinal, mas
apresentaram diferenças significativas em relação ao grupo (G3). Além disso, no
grupo G1, houve correlação positiva e significativa entre a intensidade parasitária, as
alterações estruturais microscópicas da mucosa e os sinais clínicos sistêmicos. De
acordo com a análise das células granulocíticas (neutrófilos, eosinófilos e
mastócitos), foi observado um aumento significativo (p ≤ 0,05) nos animais do grupo
G2, seguido pelos animais do grupo G1, em relação aos controles. Os
polimorfonucleares (neutrófilos e eosinófilos) apresentaram-se em maior quantidade
no intestino delgado do que no intestino grosso. Já os mastócitos e eosinófilos
apresentaram correlação positiva entre si por todo o trato intestinal. As células T
CD4+ foram pouco expressivas nos três grupos avaliados, não apresentando
diferença significativa (p ≤ 0,05) entre eles. No entanto, ocorreu aumento significativo
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de linfócitos T CD8+ e de macrófagos no grupo G1 em relação aos grupos G2 e G3,
principalmente nos órgãos mais infectados por amastigotas de L. infantum, como o
duodeno e o cólon. A intensidade parasitária por L. infantum no intestino grosso
esteve correlacionada negativamente com as células T CD4+, e positivamente com
os linfócitos T CD8+ e macrófagos. Em conclusão, os cães polissintomáticos para
LVC do grupo G1 demonstraram alterações microscópicas na mucosa intestinal,
marcada por processos inflamatórios associados com a proliferação de células
mononucleares como macrófagos e linfócitos T CD8+. Já os cães polissintomáticos
do grupo G2 apresentaram uma hiperplasia de células granulocíticas sugerindo uma
possível infecção secundária por agentes não parasitários. Concluiu-se ainda que a
doença LVC pelo seu caráter debilitante e imunossupressor pode comprometer a
homeostasia intestinal, indireta ou diretamente pela presença de formas amastigotas
de L. infantum correlacionadas com alguns sinais clínicos específicos da doença e
com alterações patológicas na mucosa intestinal.