Mulher e homem, a partir do final do século XX, dividem tarefas, realizam praticamente
as mesmas atividades e disputam os mesmos espaços de trabalho. É esse o discurso com
o qual temos contato, diariamente, e que nos leva a pensar que homem e mulher vivem,
hoje, em condição de igualdade; ou quase. O discurso midiático, de maneira geral,
coloca em circulação sentidos para masculino e feminino segundo os quais não há, na
contemporaneidade, uma divisão de papéis e espaços para homem e mulher. Já o
discurso publicitário sobre o brinquedo, especificamente, vai de encontro ao que diz a
mídia, posto que há uma notável divisão entre o que é destinado a meninas e o que é
legítimo para os meninos, em relação aos brinquedos. Cores, formas e temas apontam
para com o que meninos e meninas podem ou não brincar, ponto que, muitas vezes, é
corroborado pelos pais e/ou professores, quando no contexto escolar. Pensando nessas
questões, o objetivo deste trabalho é analisar o discurso sobre o brinquedo, no discurso
publicitário e nas vozes dos sujeitos da pesquisa, crianças de 4 a 6 anos de uma escola
de Educação Infantil da rede municipal de ensino de Ribeirão Preto-SP, a fim de
compreender quais sentidos e representações de gênero circulam nesses espaços
discursivos. Para tal, o dispositivo analítico que utilizamos, a Análise do Discurso
pecheutiana, não impõe categorias previamente estabelecidas nem mesmo procura ver
através do que é posto, o que seria um movimento limitado de interpretação de
conteúdo. Pelo contrário, para nós analistas do discurso, fundamental é a materialidade
do texto, especialmente, em sua opacidade. Dessa maneira, o olhar do analista estará
sempre voltado às condições de produção do discurso, aos sujeitos discursivos e à
ideologia que possibilita tanto a manutenção quanto a transformação dos sentidos.
Como metodologia, selecionamos nosso corpus por meio de uma pesquisa em um site
de busca, na internet. Utilizando as palavras-chave "brinquedo", "menino", "menina",
escolhemos os sites melhor avaliados na lista e, a partir daí fomos selecionando textos
escritos e visuais em sites e blogs. Além disso, foram realizadas entrevistas com as
crianças em horário de aula, e os sujeitos responderam a perguntas previamente
selecionadas, bem como a questões que surgiram no momento. Com as análises
realizadas, o que temos como resultado é que o brinquedo é discursivizado de maneira
que determina, em certa medida, o que é legitimado para menino e menina e o que se
mantém interditado para ambos, contrariando os sentidos que circulam, na
contemporaneidade, de que homens e mulheres podem cuidar de casa, dos filhos,
trabalhar nos mesmos lugares, ou seja, de que não há mais uma rígida separação de
gênero. Por outro lado, existem rupturas pois nos textos analisados sentidos de
transformação aparecem tanto no discurso publicitário quanto nas vozes das crianças e o
novo emerge encontrando espaço em alguns discursos. Assim sendo, temos que, ainda
que seja perceptível uma mudança na ordem dos papéis desempenhados por homem e
mulher na sociedade atual, quando analisamos o discurso publicitário sobre o brinquedo
e escutamos a voz do sujeito-criança, constatamos que os sentidos dominantes ainda se
apresentam engessados em discursos que sustentam que meninos e meninas não
brincam com os mesmos brinquedos. Se as propagandas e anúncios publicitários
destinados à criança - especialmente pela TV – insistem em repetir tais sentidos,
defendemos que a escola deve constituir-se como um contraponto ao apelo publicitário
e ser um lugar discursivo de (trans)formação e o professor deve colocar em curso
discursos abertos à polifonia, os quais coloquem os sujeitos-alunos em contato com
inúmeras possibilidades de sentidos e interpretações e, desse modo, os alunos terão a oportunidade de aprender que o sentido pode vir a ser outro.