A intenção desta pesquisa não é realizar um recorte do pensamento de Foucault. Não se trata de uma resenha conceitual ou mesmo da pretensão da escritura de uma dissertação sobre determinada produção ou categoria foucaultiana (assumindo que seja possível a utilização deste termo quando nos referimos ao que representa a obra do pensador francês). Parece ser mais instigante procurar em Foucault o arcabouço necessário para se chegar ao objetivo final da análise da temática a ser estudada, qual seja: a possibilidade contemporânea da contraconduta e resistência aos modos de subjetivação erigidos pela modernidade e que seguem legitimados ainda hoje. Para tanto, será necessário refazer alguns passos do pensador de As palavras e as coisas, já que, se julga aqui, Foucault seria a melhor referência de pensamento para tal reflexão. O marco inicial desta trajetória será o estudo das noções que orbitam A Arqueologia do Saber (1969) de Foucault. Nela o pensador francês aponta caminhos para a análise discursiva por rotas contrárias às metodologias encontradas nas discussões da epistemologia tradicional, onde, em muitos casos, a tentativa de elaboração de sistemas de pensamento orbita a noção de Ursprung em concordância com as práticas exegéticas e pletóricas, culminando no estabelecimento de uma relação entre acontecimento e origem que seria historicamente inverificável. A característica principal de tais práticas seria a substituição, no âmbito do conhecimento, da diversidade das coisas ditas e feitas por uma totalidade uniforme e pelo engendramento de continuidades teleológicas. Por outro lado, a arqueologia foucaultiana propõe a recusa das formas continuístas dos saberes através da análise enunciativa, que se utiliza de uma lei de raridade em oposição à abundância de significados na interpretação e uso dos discursos. Abrem-se, portanto, novos campos de pesquisa num domínio de investigação relacionado ao conjunto de todos os enunciados efetivos na sua própria configuraçãoacontencimental e dispersiva. A partir disso, pode-se realizar um salto conceitual no interior mesmo do pensamento de Foucault e colocar junto à análise do discurso a questão do poder já que, como expõe Hannah Arendt no prólogo de A Condição Humana, o discurso faz do homem um ser político. Em Foucault, a análise dos enunciados (e a recherche por suas condições de possibilidade de aparecimento) também demonstra a qualidade de objeto de luta política e de desejo presente nos discursos, o que faz pensar nos modos de existência dos sujeitos a partir da relação intrínseca com tais discursos ditos verdadeiros. A partir da concepção foucaultiana de que a verdade não seja constituída por aparatos lógicos outorgados pela racionalidade moderna e filosófica, mas que seja resultado de luta, de estratégia e de conquista, pensar os modos de possibilidade de reconhecimento e resistência individual aos paradigmas modernos por meio de uma análise ética e epistemológica parece ser o caminho. Sendo assim, nosso objetivo será o de tentar responder as seguintes questões em torno no problema apresentado: em que sentido Foucault oferece concepções de discurso e enunciado distintas daquelas provenientes da análise linguística e da história do pensamento? Quais as implicações das diferenças conceituais propostas pelo filósofo francês em relação às impostas pela tradição filosófica? É possível traçar uma história da verdade? Em que sentido as discurso institucional implica na constituição da subjetividade dos indivíduos? A resposta dessas questões talvez conduza este trabalho ao seu objetivo mais ousado: a hipótese de que a análise dos jogos discursivo do verdadeiro e do falso por meio da arqueologia foucaultiana possa conduzir o pensamento a uma ontologia histórica e crítica de nós mesmos, abrindo um espaço de resistência à dominação. É possível que o entendimento daquilo que Foucault explicita em A Arqueologia do Saber ajude a compreender de fato qual o papel da verdade na formulação de um projeto ético, mais especificamente no que se refere à apropriação do saber como instrumento de contraconduta, isto é, de resistência às ordens hegemônicas do discurso institucionalizado.