Este estudo teve como foco inicial de investigação o modo como livros didáticos de
alfabetização propõem o estudo das relações entre sons e letras e letras e sons, e
como essa dimensão se articula (ou não) a uma concepção de alfabetização que
toma o texto como unidade de ensino. Caracteriza-se como uma pesquisa de cunho
documental, trazendo para estudo produções acadêmico-científicas acerca da
temática de investigação, tendências teóricas no estudo da alfabetização, o
processo histórico da política de avaliação de livros didáticos no Brasil, o Guia de
livros didáticos – PNLD 2010 – letramento e alfabetização – língua portuguesa –
2009 e duas coleções de livros didáticos de alfabetização, quais sejam: A Escola é
Nossa – Letramento e Alfabetização Linguística; e Porta Aberta – Letramento e
Alfabetização Linguística, avaliadas e selecionadas pelo Programa Nacional do Livro
Didático (PNLD), na edição de 2009, para o ano letivo de 2010. Assume a hipótese
de que a proposta de trabalho com as relações sons e letras e letras e sons trazida
pelos livros didáticos de alfabetização, no contexto do letramento, por não tomar o
texto como unidade de ensino, acaba por criar obstáculos para a própria
compreensão dessas relações pelos estudantes. Toma como princípios teóricos e
metodológicos a abordagem bakhtiniana de linguagem, bem como a concepção de
alfabetização que baliza este estudo (GONTIJO; SCHWARTZ, 2009). Conclui que,
ao não trazer os textos (gêneros discursivos) como enunciados, indiferentes à
alternância dos sujeitos do discurso, os livros analisados, não obstante as poucas
diferenças existentes entre um e outro, que se referem mais especificamente a
informações que tangem à linguística, vão ao encontro de uma concepção de
linguagem como um sistema de normas que devem ser anteriormente internalizadas
pelo estudante para que este possa proceder à leitura e à escrita. Tratam, pois, a
língua materna como uma língua estrangeira ou morta, como se esta fosse estática,
permanecendo imune à evolução histórica. O estudo corroborou a hipótese de
investigação, uma vez que, desconsiderando e/ou desconhecendo o aspecto
dialógico do enunciado, os livros analisados minimizam a possibilidade da
instauração de uma abordagem discursiva de linguagem, o que incide no tratamento
das relações sons e letras e letras e sons que acabam por apresentarem-se
dicotomizadas do texto e seu contexto discursivo e, dessa forma, sua reflexão e
sistematização pelos estudantes distancia-se de um estudo dessas relações no bojo
dos aspectos sócio-históricos, ideológicos, linguísticos, estilísticos, dentre outros que
perpassam seu ensino. Logo, por não propiciarem um tratamento discursivo da
linguagem, pouco contribuem para um tratamento “linguístico” adequado, acabando
por criar obstáculos para a compreensão dessas relações pelos estudantes.
Entende que conhecimentos linguísticos, principalmente referentes às variedades
linguísticas e dialetais, tornam-se importantes quando da abordagem dessas
relações, entretanto, estes por si sós não garantem sua apropriação. Ressalta o
necessário conhecimento por parte dos professores (e autores) acerca da
abordagem linguística tomada pelo livro didático de alfabetização e o resgate da
autoria docente diante do ensino da língua materna, instaurando um processo
autoral-dialógico da produção de conhecimentos junto aos estudantes.