Interpretar os significados culturais do processo do nascimento para mulheres residentes no campo e o modo como esses significados, ao longo do tempo, modelam e transformam as práticas de autoatenção relacionadas a esse processo. Marco teórico: O estudo ancora-se na antropologia interpretativa de Clifford Geertz e na antropologia da saúde, de Arthur Kleinman e de Eduardo Menéndez, e do nascimento, de Brigitte Jordan. Método: Estudo com abordagem qualitativa, do tipo etnográfico, desenvolvido em três comunidades rurais de Jaboticaba/RS. Participaram do estudo 17 informantes. Os dados foram coletados pela técnica de observação-participação-reflexão e pela entrevista etnográfica. Para a análise, optou-se pelo modelo de Madeleine Leininger, por meio do qual emergiram três temas culturais. Resultados: Do primeiro tema, interpreta-se que a gravidez consiste em um estado de saúde, que necessita de práticas de autoatenção tecidas na tensão entre os conhecimentos familiares/populares e os da biomedicina para sua promoção e manutenção como tal. Assim, as mulheres grávidas evitam carregar peso, diminuem esforços físicos e mudam alguns hábitos alimentares. As jovens têm acompanhamento pré-natal, destacando-se aí a valorização do aparato tecnológico, em especial da ultrassonografia obstétrica, o que aproxima o processo da gravidez às dimensões da disease e concede aos saberes da biomedicina, em muitas situações, o status de conhecimento autoritativo. Do segundo tema, apreende-se que, apesar da institucionalização da parturição, esta ainda é uma experiência familiar que preserva resquícios dos nascimentos de épocas passadas, ocorridos em âmbito doméstico. Ao pai da criança é reservado um lugar bastante restrito, geralmente associado ao papel de provedor da família; e às mulheres da família cabe a execução de práticas de autoatenção de sentido amplo, associadas ao amparo e à proteção da parturiente e de seu grupo familiar frente a ameaças, reais ou imaginárias, que a assistência operada em um ambiente não familiar, como é o hospital, pode representar. A parturição institucionalizada é marcada por práticas de atenção um tanto afastadas das dimensões humanistas e holísticas preconizadas pelas políticas de atenção ao parto e ao nascimento, conferindo a essa vivência significados pouco
positivos e, quase sempre, imprecisos. Tanto nos dias atuais como em épocas mais antigas, os saberes da mulher/parturiente não desfrutam do status “autoritativo”. Além disso, a parturição por via vaginal é interpretada por boa parte das mulheres como algo que as submete ao sofrimento e ao risco, ameaças das quais as livra a cesariana. No terceiro tema, o puerpério apresenta-se como uma etapa marcada por práticas de autoatenção produzidas, predominantemente, no seio da família/comunidade, com pouca articulação ao setor profissional de cuidados, o que confere determinado poder aos conhecimentos das mulheres do campo. As práticas de autoatenção no puerpério referem-se a hábitos alimentares, atividade física cotidiana, higiene corporal e a práticas de sociabilidade empreendidas pelos “locais” nesta fase do processo do nascimento. Conclusões: Os significados das práticas de autoatenção relativas ao processo do nascimento associam-se à promoção da saúde e à prevenção de agravos para proteger a mulher, a criança e seu grupo social. O reconhecimento desses significados e da intencionalidade que deles é gerada, por parte dos enfermeiros e demais profissionais, é importante para a produção de cuidados culturalmente congruentes, o que demanda habilidade e competência para operar interpretações fundamentadas no relativismo cultural.