A dissertação analisa a emergência e o processo de organização política das comunidades de
fecho e fundo de pasto de Jacurutu e Salobro frente à grilagem de terras devolutas no oeste da
Bahia, dando destaque para a forma como os sujeitos organizaram suas experiências de
contato com a grilagem; para as múltiplas motivações para o engajamento e para a forma
como o conflito foi se constituindo como um problema público. Para tanto, utilizamos como
referência a teoria das arenas públicas de Daniel Cefaí, que busca analisar a emergência dos
movimentos sociais a partir da dinâmica de enquadramento, justificação e construção de
problemas públicos. Verificamos que o aparecimento da grilagem de terras nas comunidades
objeto de estudo insere-se num contexto de intensa especulação fundiária verificado na região
oeste a partir da década de 1970, impulsionada pelos incentivos estatais para a expansão do
capitalismo na região. Ao se instalar em área ocupada pelas comunidades objeto de estudo,
em 1980, os grileiros encontram uma situação fundiária complexa (face à grande presença de
terras devolutas e à imprecisão de limites entre estas e as terras que eventualmente tenham
adquirido status de propriedade privada) e uma lógica de apropriação consolidada há
sucessivas gerações, baseada na articulação entre áreas de uso familiar e áreas de uso comum,
chamadas de “soltas” ou “gerais”, compartilhadas por dezenas de comunidades. Tais áreas
foram o alvo prioritário dos fazendeiros, cujas ações começaram com a compra de pequenas
posses de terra em diferentes localidades da região, passaram pela falsificação de registros em
cartório e se estenderam conjugando diversas estratégias de expropriação das terras do
entorno. Por um longo tempo, a resistência das comunidades ao processo de expropriação foi
sendo constituída nas relações cotidianas, impulsionada pela noção de respeito aos costumes e
tendo como marca o caráter predominantemente local. No entanto, a partir de 2006, com o
apoio da Comissão Pastoral da Terra, do Sindicato de Trabalhadores Rurais, e mais tarde, de
advogadas/os da Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia, as
comunidades passaram a se articular e a se inserir em espaços de publicização, organização,
denúncia, negociação e reivindicação que foram se constituindo como uma arena pública e
configurando o conflito como um problema público. Para tanto, o acionamento do direito
positivo teve papel fundamental. É nesse processo que emergem as reivindicações pelo
reconhecimento dos direitos territoriais dos ocupantes enquanto comunidades tradicionais de
fecho e fundo de pasto e pelo reconhecimento do caráter devoluto das terras em litígio.