As configurações assumidas pelo turismo na sociedade capitalista articulam uma teia de processos materiais e simbólicos de captura do tempo livre dos consumidores, sob a égide de dois principais aspectos, a saber: a mercantilização da experiência e o consumo do espaço. A análise da literatura produzida no contexto latino-americano demonstra que a atividade turística envolve, em muitos casos, processos de apropriação territorial que geram concentração fundiária, especulação imobiliária, estrangeirização de terras, degradação do ambiente, elitização dos lugares, expulsão de populações nativas e um amálgama de conflitos sociais. Este trabalho parte do pressuposto de que as dinâmicas relacionadas ao uso, posse e propriedade da terra, em sua diversidade, demandam perspectivas teóricas que nos permitam captar a complexidade de sujeitos e processos presentes na conformação da questão agrária contemporânea. Elegemos, aqui, como foco principal, as interfaces estabelecidas entre a atividade turística e a questão agrária em um contexto territorial específico. Utilizamos como lentes de análise neste trabalho a Economia Política do Turismo, as análises de inspiração marxista sobre a questão agrária - com especial atenção à noção de fronteira - e trabalhos referenciais no campo da Sociologia Política, tendo como foco movimentos sociais e dinâmicas de ação coletiva. A pesquisa busca analisar os processos engendrados pela penetração do turismo no território de identidade do Baixo Sul da Bahia, que ocorre de forma mais articulada a partir do início dos anos de 1990, com a chegada de uma política pública, o Programa de Desenvolvimento do Turismo no Nordeste (PRODETUR NE), que apostava no turismo como frente de desenvolvimento para a região. Procuramos compreender como esse fenômeno afetou as relações de propriedade, posse e uso da terra nesta região, constituindo-se como um importante arranjo na apropriação e valorização de ativos fundiários. Abordamos de forma mais detalhada o caso específico da comunidade de Garapuá, situada no município de Cairu-BA, um povoado composto por uma população que tem a pesca e o turismo como suas principais atividades. Buscamos compreender o papel que turismo vem assumindo nos conflitos fundiários experenciados por essa comunidade e como esta população tem se organizado na luta em defesa do território. Através da revisão de alguns estudos historiográficos na região do Baixo Sul, bem como a análise de dados estatísticos que tangem às questões fundiárias na região, entrevistas semiestruturadas e observação participante, pudemos perceber o turismo como fenômeno de tensionamento do que estamos chamando de fronteira turística e um agente direto e indireto na configuração socioespacial da região e no aprofundamento dos conflitos territoriais.