A carne suína é a segunda proteína animal mais consumida no mundo, e há preocupações importantes com o bem-estar animal para mais de 1 bilhão de suínos criados para a produção de carne a cada ano. Um importante indicador animal de bom bem-estar em suínos é a ausência de claudicação, que pode afetar até 15% das matrizes globalmente. A claudicação é uma condição extremamente dolorosa e estressante que afeta os animais de várias maneiras, incluindo seu comportamento social, condição nutricional e todo seu funcionamento biológico e estados mentais, quando não é identificada e tratada adequadamente. Durante a gestação, a claudicação, como uma condição estressante, tem o potencial de alterar os resultados de desenvolvimento da prole por modificação endócrina transplacentária ou mecanismos epigenéticos. O estudo inicialmente explorou uma base de dados existente relacionada à claudicação em fêmeas suínas durante a gestação, no qual avaliamos as consequências comportamentais e fisiológicas da claudicação nas matrizes e nas suas proles, através da mensuração da concentração de glicocorticóides em saliva e placenta, e indicadores de comportamento agonístico e exploratório em suas leitegadas desmamadas, misturadas e testadas nos testes de campo aberto e objeto novo. Estudos subsequentes envolveram avaliações periódicas sistemáticas de locomoção em matrizes prenhes, em duas granjas comerciais de suínos, uma no Brasil (Fazenda 1) e outra na Itália (Fazenda 2). Foi utilizado um sistema de pontuação validado, variando de 0 a 5, sendo 0 um animal com fácil locomoção e 5 um animal que não caminha. Os estudos brasileiro e italiano incluíram 511 matrizes gestantes (N = 397 no Brasil e N = 114 na Itália) com pelo menos 3 avaliações de locomoção no terço final da gestação, para determinar a prevalência de claudicação. Uma amostra de 30 (Fazenda 1) e 39 (Fazenda 2) matrizes foi selecionada e agrupada por severidade de claudicação, para avaliar seus desempenhos produtivos, fisiológicos e resultados de desenvolvimento de suas proles. As matrizes foram agrupadas como “sem claudicação” (G1; N = 15 - Fazenda 1; N = 14 - Fazenda 2), “claudicação moderada” (G2; N = 16 - Fazenda 2) e “claudicação severa” (G3; N = 15 - Fazenda 1; N = 9 - Fazenda 2). No Brasil, as matrizes foram agrupadas apenas como severamente claudicantes ou não claudicantes. Dados de produtividade como duração de gestação, peso ao nascer, total de leitões vivos / natimortos e mortos até a primeira semana de idade foram registrados, a partir das matrizes selecionadas. As medidas de glicocorticóides foram realizadas na saliva, pelo e placenta das matrizes estudadas na Fazenda 2. Uma amostra de leitões desmamados foi selecionada na Fazenda 1 (N = 90, 3 leitões por fêmea) e todas as leitegadas foram utilizadas na Fazenda 2. Dados comportamentais foram coletados em leitões desmamados da Fazenda 1, lesões cutâneas foram contadas para avaliar agressão após a mistura dos leitões e o comportamento exploratório foi mensurado usando uma combinação de testes de campo aberto e objeto novo. Avaliações do limiar de nocicepção foram realizadas em leitões ao nascimento, antes / após a castração de leitões machos da Fazenda 2 e em leitões desmamados da Fazenda 1. O pelo foi coletado de leitões recém-nascidos da Fazenda 2 para medir o cortisol. Cortisol salivar foi medido em leitões desmamados da Fazenda 1, antes e depois do transporte. Após a determinação da distribuição dos dados, foram utilizados testes estatísticos paramétricos e não paramétricos, considerando significância quando p <0,05 e tendência quando p = 0,05 - 0,1. Os resultados do conjunto de dados inicial indicaram que a claudicação em matrizes prenhes reduziu o peso ao desmame e aumentou o comportamento agonístico da prole. Tanto no estudo brasileiro quanto no italiano, a claudicação reduziu o tempo de gestação sendo mais longo nas matrizes G1 do que nas matrizes G2 (Fazenda 2) e G3 (Fazenda 1). Ao nascer, os leitões do G1 eram mais pesados do que os leitões do G2 (Fazenda 2) e os do G3 (Fazenda 1). Na Fazenda 2, os valores do limiar de nocicepção ao nascimento e antes da castração foram maiores nos leitões do G3 do que no G2, e após a castração os leitões do G1 apresentaram valores nociceptivos maiores do que os leitões do G2. Na Fazenda 1, o limiar nociceptivo após o desmame foi maior no G3 que nos leitões do G1. Na Fazenda 1, houve menos lesões cutâneas após a mistura no G1 do que nos leitões do G3. Na Fazenda 2, as concentrações de cortisol capilar nas matrizes do G2 foram maiores do que nas do G3 e tenderam a ser maiores nas crias machos do G3 do que nas do G1. O tecido placentário das matrizes G1 foi mais eficiente em metabolizar cortisol
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em cortisona do que as matrizes G2. Finalmente, na Fazenda 1, a resposta do cortisol salivar ao transporte foi maior em leitões desmamados de matrizes G3 em comparação com leitões de matrizes G1. Aqui, demonstramos que a claudicação durante o último terço da gestação alterou sua fisiologia e desempenho e modificou o fenótipo de sua prole, reduzindo o peso ao nascer, diminuindo a resposta a estímulos nocivos e alterando as respostas comportamentais e fisiológicas quando os leitões enfrentam desafios comuns presentes no ambiente da suinocultura comercial.