As antraciclinas são potentes agentes quimioterápicos que revolucionaram o manejo do câncer infantil. Elas formam a base de uma série de protocolos terapêuticos usados para tratar tumores sólidos e hematológicos em crianças. Efeitos físicos e psicológicos adversos de longo prazo acompanham a sobrevivência de muitas das crianças curadas e submetidas a protocolos quimioterapêuticos e podem não se manifestar até a idade adulta, afetando diversos aspectos da função cognitiva, incluindo alterações de atenção, memória, velocidade de processamento, intelecto, desempenho acadêmico e saúde emocional. Objetivo: O presente estudo busca investigar a ocorrência da disfunção cognitiva em ratos adultos tratados com doxorrubicina (DOX) durante a infância, em associação ou não com o resveratrol (RSV), um polifenol natural que possui efeitos nootrópicos, ou com a curcumina (CUR), um pigmento amarelo extraído da Curcuma longa, que possui ação antioxidante e anti-inflamatória, analisando-se os possíveis efeitos morfológicos, comportamentais e epigenéticos de tais administrações. Métodos: Foram utilizados ratos Wistar machos, com duas semanas de idade, injetados com DOX (2,5 mg/kg, uma vez por semana, via intraperitoneal - IP, durante três semanas e 0,1 mL/kg/dia de água destilada por via oral - VO), em associação ou não com RSV (10 mg/kg/dia, durante o mesmo período, VO), ou com CUR (100 mg/kg/dia, durante o mesmo período, VO). Os animais do grupo controle receberam uma injeção semanal de solução fisiológica a 0,9% por via IP (mesmo volume) e água destilada diariamente (VO). Durante o período experimental, foram realizados estudos comportamentais, incluindo o teste de campo aberto, o teste de reconhecimento de novos objetos e o teste do labirinto de Barnes. Os encéfalos foram coletados e analisados pela técnica de coloração com hematoxilina-eosina e por imuno-histoquímica para a GFAP (glial fibrillary acidic protein) em astrócitos; para o marcador de micróglia Iba1 e para o marcador de apoptose caspase-3. As áreas analisadas incluíram o córtex frontal, o hipocampo (CA1, CA2 e CA3) e o hipotálamo. A análise morfométrica demonstrou que os ratos injetados com DOX apresentaram maior expressão de GFAP, Iba1 e caspase 3 em todas as áreas analisadas e que, tanto o RSV, quanto a CUR, foram capazes de diminuir tais expressões. A administração de DOX durante a infância foi capaz de causar prejuízos à memória espacial, e às memórias de curto e de longo prazo na vida adulta dos animais. Tais alterações foram prevenidas pela CUR, mas não pelo RSV. A DOX, em associação ou não com RSV e CUR, também demonstrou interferir, a longo prazo, na atividade de enzimas modificadoras da metilação (SET1A, SUV39, EZH2, KDM5B, KDM4A e KDM6B) e da acetilação de histonas (HAT1, SIRT1 e PCAF) na região do hipocampo destes animais. Os resultados sugerem que a astrogliose, a microgliose e a apoptose apresentadas na idade adulta estão relacionadas com o uso de DOX durante a infância e que o tratamento com RSV ou CUR foi capaz de minimizar tais alterações. No entanto, só a CUR demonstrou exercer efeito protetor em relação aos déficits de memória induzidos pela quimioterapia. Conclusão: Por fim, as alterações encontradas em importantes enzimas moduladoras da metilação e da acetilação de histonas na região do hipocampo sugerem que tais alterações morfológicas e comportamentais podem ser influenciadas por fatores epigenéticos e que o RSV e a CUR podem exercer ações protetivas aos danos tardios induzidos pela quimioterapia na infância.