A produção de mediadores inflamatórios é necessária para proteger o organismo contra patógenos e promover a reparação tecidual, mas a liberação excessiva de citocinas pode levar à inflamação sistêmica, neuroinflamação e comportamentos doentios. O sistema nervoso central interage dinamicamente com o sistema imune para modular o processo inflamatório através de vias humorais e neurais. Neste contexto, tem sido discutida a via antiinflamatória colinérgica, capaz de inibir a produção de algumas citocinas, uma vez que sinais transmitidos via nervo vago convergem às células do sistema imune que expressam o receptor colinérgico nicotínico alfa 7 (nAChR α7), prevenindo a liberação de mediadores pró-inflamatórios. Prado e colaboradores desenvolveram um modelo animal de hipofunção colinérgica central e periférica, onde o gene do transportador vesicular de acetilcolina (VAChT) teve sua expressão diminuída em 45% da proteína VAChT. Assim, objetivou-se neste estudo caracterizar o processo inflamatório sistêmico e cerebral e suas implicações na geração do comportamento doentio após administração de lipopolissacarídeo (LPS) em animais deficientes para o VAChT KDHOM. Para isto, camundongos machos foram divididos em grupos: salina (WT SAL ou VAChT KDHOM SAL) ou que receberam o tratamento com LPS (WT LPS ou VAChT KDHOM LPS); bem como animais que receberam administração de inibidor da acetilcolinesterase (ACEI) (WT LPS ACEI ou VAChT KDHOM LPS ACEI) ou do agonista nicotina (NIC) (WT LPS NIC ou VAChT KDHOM LPS NIC). Inicialmente, os animais receberam um dose letal de LPS i.p (10 mg/Kg) para avaliação da taxa de sobrevida dos mesmos. Posteriormente, administrou-se dose subletal de LPS (0.1 mg/Kg) objetivando-se controlar de forma adequada os parâmetros a serem avaliados: marcadores inflamatórios, atividade neuronal no tronco encefálico e comportamento doentio. Para avaliação da reversão do fenótipo, os animais receberam previamente administração de piridostigmina (3 mg/Kg) ou nicotina (0.4 mg/kg). Os animais foram sacrificados 1 ou 3 h após administração de dose subletal de LPS i.p. Os resultados revelaram uma menor sobrevida dos animais VAChT KDHOM após administração de dose letal de LPS. Além disso, a inflamação sistêmica demonstrou um aumento do perfil pró-inflamatório esplênico (TNFα, IL-1β, IL-6) e antiinflamatório (IL-10) no grupo VAChT KDHOM LPS. Concomitantemente foi demonstrado um aumento da atividade dos macrófagos esplênicos, bem como um maior recrutamento dos folículos linfoides neste mesmo órgão, indicando que o déficit colinérgico foi capaz de alterar o balanço inflamatório. O perfil sérico mostrou-se alterado no grupo VAChT KDHOM LPS, onde os mediadores TNFα e IL-6 mostraram-se elevados, entretanto sem modificar os níveis sanguíneos e peritoneais dos leucócitos totais. A reversão de fenótipo através do ACEI demonstrou-se eficaz apenas em reduzir os níveis de TNFα séricos e esplênicos. Entretanto, o agonista nicotínico reduziu quase totalmente os mediadores inflamatórios séricos e esplênicos. Interessantemente, foi demonstrada uma maior atividade neuronal via gene c-Fos nos núcleos do complexo vagal dorsal nos animais VAChT KDHOM LPS (Área postrema AP; Núcleo do Trato Solitário NTS; e Núcleo Motor Dorsal DMN), responsáveis em modular as aferências sensoriais e eferências motoras da via antiinflamatória colinérgica vagal. Este aumento da atividade nos núcleos vagais, seria a porta de entrada para a modulação da neuroinflamação encontrada neste presente estudo, onde verificamos um aumento dos níveis de TNFα, IL-1β, IL-6 e IL-10, revertido em 100% através do agonista nicotínico em animais deficientes para o VAChT. Tanto os mecanismos humorais quanto neuronais, estão relacionados ao aparecimento do comportamento doentio em situações de inflamação sistêmica e neuroinflamação. Dessa forma, verificamos em nosso estudo que o espectro de alterações encontradas poderia ter influenciado positivamente para as alterações termorregulatórias, bem como no perfil depressivo, redução da atividade exploratória geral e locomotora espontânea nos animais VAChT KDHOM tratados com a endotoxina LPS. Nossos resultados demonstram pela primeira vez, que a redução da expressão do VAChT é capaz de alterar o balanço inflamatório frente à invasão de patógenos, culminando com alterações inflamatórias sistêmicas e cerebrais, termorregulatórias, além de déficits comportamentais.