As modalidades Cross são aquelas em que exercícios funcionais,
constantemente variados são executados em alta intensidade de esforço. A
parte principal da sessão de treinamento, chamada de treinamento do dia (WOD)
costuma ser realizada em modelos de treinamento com o objetivo de realizar o
maior número possível de repetições ou rounds (do inglês “as many
repetitions/rounds as possible” (AMRAP)), de completar uma tarefa a cada
intervalo de minuto (do inglês “every minute on the minute” (EMOM)) ou no
menor tempo possível (do inglês “for time” (FT)). A prescrição das modalidades
Cross ainda é completamente empírica e com problemas graves no controle dos
componentes da dose de treinamento, o que é ainda mais agravante em
programas de treinamento com objetivos relacionados à melhora da saúde.
Assim, o objetivo da presente dissertação foi analisar criticamente os modelos
de treinamento mais populares das modalidades Cross (AMRAP, EMOM e FT),
a respeito dos problemas relacionados a prescrição e ao controle da dose
(Estudo 1), além dos fatores que podem influenciar as estratégias de ritmo em
tais modelos de treinamento (Estudo 2). No Estudo 3, nós analisamos a resposta
mecânica a três protocolos de WOD nos modelos AMRAP, EMOM e FT, ao
quantificar a fadiga mecânica induzida pelos exercícios front squat (FS) e
shoulder press (SP). Além disso, nós analisamos se a velocidade mais rápida
(Vmais rápida) dos exercícios poderia ser usada como indicador objetivo da
intensidade relativa (%1RM). A presente dissertação foi escrita no modelo
alternativo, na qual avaliamos no Estudo 1 que não há uma prescrição e um
controle preciso da intensidade e do grau de esforço do exercício realizado, não
sendo possível conhecer a dose de treinamento aplicada, de maneira objetiva.
No Estudo 2, nós consideramos que a intensidade, o grau de esforço, o tipo de
exercício e o conhecimento do ponto final da tarefa são fatores chaves para o
controle do ritmo durante o WOD nas modalidades Cross. Em adendo, a
programação de intervalos de descanso intrassérie e interssérie pode ser
essencial, para a não execução das séries até ou próximo à falha muscular,
sendo uma estratégia eficiente para o alcance de uma menor perda de
desempenho mecânico durante o WOD executado nos modelos AMRAP, EMOM
e FT. Para o Estudo 3, nove homens treinados (idade = 24.8 ± 4.1 anos, massa
corporal = 73.5 ± 7.1 kg, estatura = 1.73 ± 0.05 m) realizaram os três protocolos
nos exercícios FS e SP. Os protocolos foram realizados com a mesma carga
absoluta, com número de repetições variados e sem a programação de intervalos
de descanso, como realizado na prática das modalidades Cross. A fadiga foi
quantificada pela perda de velocidade (PV) alcançada nos dois exercícios e pela
perda de velocidade alcançada no WOD (PV do WOD). Nos três protocolos, a PV
alcançada no FS e no SP foi alta, em média, 30% e 60%, respectivamente. A PV
do WOD nos protocolos AMRAP, EMOM e FOR TIME foi de 73,2 ± 10,9 %, 61,6 ±
15,1 % e 76,1 ± 8,8 %, respectivamente. No protocolo AMRAP, a Vmais rápida
apresentou relações muito fortes com a %1RM no FS e SP (r = -0,83, -0,75,
respectivamente, p < 0,01); enquanto que no protocolo EMOM houve uma
relação forte entre essas variáveis, apenas no SP (r = -0,61, p < 0,05). No
protocolo FOR TIME, nós observamos uma relação extremamente forte no FS (r
= -0,91, p < 0,001) e muito forte (r = -0,71, p < 0,05) no SP entre essas variáveis.
Essas relações reforçam a validade da Vmais rápida dos exercícios resistidos em
estimar a %1RM. Portanto, os modelos de treinamento AMRAP e FT induzem os
maiores graus de fadiga mecânica alcançados nos exercícios FS e SP. Além
disso, a Vmais rápida alcançada nos exercícios do WOD explica a %1RM de ambos
exercícios nos protocolos AMRAP e FT, mesmo que ocorra uma autorregulação
do ritmo. Portanto, na presente dissertação, nós concluímos que a realização
dos modelos AMRAP, EMOM e FT podem levar a problemas para os
profissionais de Educação Física, em relação a prescrição e ao controle da dose
de treinamento, uma vez que muitas vezes não se conhece variáveis, como a
intensidade e o grau de esforço dos exercícios. Com a autorregulação imposta
por esses modelos, estratégias de ritmo são adotadas, o que fazem com que
esses modelos de treinamento testem a capacidade de desempenho atual dos
praticantes, pondo em questão se sua realização implica em um treinamento, de
fato, ou apenas em um teste físico, dada a incapacidade da prescrição objetiva
das variáveis agudas do treinamento.