A presente pesquisa tomou como objeto a moralidade da Interrupção Voluntária da Gravidez
(IVG), sendo o objetivo demonstrar a relevância de uma abordagem relacional para a
discussão da temática. Isso porque no âmbito filosófico, em grande medida, a discussão
consiste em estabelecer uma posição sobre a pessoalidade do feto: caso ele seja uma pessoa,
possuiria direito moral à vida, o que tornaria o aborto não permissível. O contrário ocorreria
caso o feto não seja uma pessoa, tornando então o aborto moralmente permissível. Além de
enfrentar a dificuldade de se estabelecer uma teoria da pessoalidade filosoficamente
indiscutível, o maior problema dessa linha argumentativa é não permitir que a gestante –
protagonista do tema – apareça no debate filosófico. Assim, defendemos que a melhor
abordagem sobre a moralidade da interrupção da gestação é a relacional, isto é, uma
abordagem que seja capaz de englobar o feto, a gestante, os familiares e a sociedade
envolvida. Nós fizemos isso por meio de uma análise bibliográfica filosófica e, para
exemplificar cenários da gestação, literária. No decorrer da pesquisa, algumas teorias nos
pareceram como promissoras por apresentarem a perspectiva relacional ao desenvolverem
seus temas: certas teorias da pessoalidade, a ética do cuidado e a ética das virtudes. O
primeiro capítulo discute algumas teorias da pessoalidade, dando relevância à teoria
desenvolvida por Marya Schechtman (2014), porque a autora pensa a pessoalidade em suas
dimensões múltiplas, desde a corporal até a inserção da pessoa na infraestrutura social e
cultural. O segundo capítulo se inicia com a Ética do Cuidado de Carol Gilligan (1980), que
busca trazer a voz diferente (feminina) para a construção de uma nova moralidade, que seja
baseada no cuidado com o outro e consigo. Desenvolve-se aqui uma reflexão mais detida
sobre o processo da gestação como um momento de escolha, no qual a gestante aparece como
um centro de relações múltiplas, envolvendo o feto e seu contexto, acentuando que não se
trata de resolver, abstratamente, se interromper uma gestação é certo ou errado, mas sim se o
processo de decisão é responsável, cuidadoso ou o contrário. A proposta apresentada por
Tânia Kuhnen (2015a), que desenvolve a teoria de Gilligan por meio do princípio
universalizável do cuidado, amplia as possibilidades da teoria original de Gilligan. Dando
continuidade ao tema da maturidade moral, a Ética das Virtudes complementa a Ética do
Cuidado, por pontuar que a moralidade implica no florescimento individual por meio das
virtudes, envolvendo também o contexto gestacional. No terceiro capítulo, abordamos
questões ligadas ao contexto médico, principalmente por meio do tema da objeção de
consciência, de modo a abranger questões de saúde pública. Em síntese, o intuito da
dissertação foi propor que a metodologia filosófica seja capaz de abranger diferentes
perspectivas sobre a moralidade da IVG. Isso só é possível, como defendemos, por meio de
abordagens relacionais.