A pesca do camarão é responsável por um dos principais impactos antropogênicos sobre o fundo marinho e
comunidades associadas. No Nordeste do Brasil, esta pescaria é de pequena escala, caracterizada principalmente pela fraca ou
total ausência de manejo; e por uma alta importância sócio-econômica para muitas pessoas que dependem desta atividade como
fonte de renda e alimento. O objetivo geral desta tese é avaliar o impacto atual e potencial futuro da pesca e das mudanças
ambientais a partir dos múltiplos métodos adaptados à estrutura limite de dados sob o escopo da Abordagem Ecossistêmica
para Pesca (AEP) em Sirinhaem, Pernambuco, como estudo de caso para pesca de arrasto de camarão em pequena escala no
nordeste do Brasil. Primeiramente, uma visão integradora da pesca foi realizada englobando as características do meio
ambiente, aspectos da pesca, e a dinâmica das espécies-alvo e das capturas acessórias (Capítulo 1). A importância dos
crustáceos, especialmente das espécies-alvo (camarões) no suporte da rede costeira de alimentação, foi acessada utilizando
duas ferramentas complementares (conteúdo estomacal e isótopo estável) (Capítulo 2). Um modelo dinâmico-temporal
(Ecosim) foi construído para avaliar os potenciais efeitos isolados e combinados de diferentes políticas de controle do esforço
de pesca e mudanças ambientais nos recursos marinhos e no ecossistema (Capítulo 3). Finalmente, uma análise de risco semiquantitativa - PSA (Productivity and Susceptibility Analysis) adaptada às condições regionais, foi desenvolvida a fim de avaliar,
pela primeira vez, a vulnerabilidade e o risco potencial (baixo, moderado e alto) das espécies alvo e não alvo exploradas pela
pesca de arrasto no nordeste do Brasil. A pesca do camarão ocorre em águas rasas em profundidades que variam de 10 a 20 m
associados a zonas de lama. A abundância e as capturas de espécies alvo e não alvo estão correlacionadas positivamente com
o período das chuvas. Os camarões Penaeidae são os principais alvos, particularmente o camarão sete-barbas (Xiphopenaeus
kroyeri) o mais abundante, o camarão rosa (Penaeus subtilis) e o camarão branco (Penaeus schmitti) com os altos valores de
mercado. Estas espécies, juntamente com outros invertebrados (por exemplo, poliquetas e caranguejos), são presas
extremamente importantes para a fauna de peixes, destacando sua importância na teia alimentar. Uma diminuição da
abundância dessas presas, incluindo camarões, devido aos efeitos cumulativos do arrasto na área, pode levar a mudanças
intensas na estrutura trófica do ecossistema, afetando a teia alimentar e a sustentabilidade da pesca. Considerando as espéciesalvo, embora a avaliação tradicional dos estoques realizada na região não indique superexploração, o camarão rosa (P. subtilis)
também é mais afetado pelo aumento do esforço do que P. schmitti e X. kroyeri. Entretanto, considerando as particularidades
de nosso estudo de caso e sem levar em conta o efeito das mudanças ambientais, não adotar medidas de controle de esforço
para as atuais condições de arrasto não parece causar grandes perdas para as espécies-alvo em termos de biomassa e capturas.
Entre as capturas acessórias de peixes, as famílias Scianidae e Pristigasteridae foram as espécies mais importantes em termos
de abundância e biomassa, sendo a maioria delas consumidas pela comunidade local e classificadas como de risco moderado,
dada sua alta resiliência (ex., Pellona harroweri, Isopisthus parvipinnis, Chirocentrodon bleekerianus). Entretanto,
elasmobrânquios, bagres freqüentemente descartados ou consumidos; pescadas e corvinas, geralmente comercializados; foram
considerados altamente vulneráveis, principalmente dada a baixa produtividade (média a longa vida útil e baixo potencial de
reprodução, para elasmobrânquios e bagres) e/ou as altas taxas de captura de indivíduos jovens e se sobrepõem às áreas de
pesca (principalmente para as pescadas e corvinas). Considerando os resultados integrados aqui observados, avaliamos
possíveis regulamentações que poderiam ser adaptadas ao nosso caso de estudo. Dada sua extensão, as abordagens de
gerenciamento espacial (ex., Área de Proteção Marinha – APAs ou zonas de exclusão de pesca) talvez não sejam muito eficazes
como uma possível regulamentação na região. Além disso, grandes reduções do esforço ou a definição de tamanho e limitações
das artes não pareciam ser medidas necessárias, considerando que, de acordo com a avaliação tradicional dos estoques, as
espécies alvo estão sendo exploradas em níveis biologicamente aceitos. Entretanto, a diminuição controlada do esforço de
arrasto próxima a 10% foi promissora, com melhor desempenho para manejo da pesca do que o período de defeso, que não
apresentou melhorias significativas em termos de funcionamento do ecossistema. Considerando que várias espécies de peixes
da fauna acompanhante também são potencialmente vulneráveis ao arrasto de fundo, dada sua biologia, ecologia e importância
para outras frotas, associadas à falta de estudos, elas devem ser prioridade para o gerenciamento e coleta de dados. O uso de
dispositivos de redução de capturas acessórias (ex., olho de peixe, grade e malha quadrada) para excluir as capturas acessórias
pode ser uma alternativa, porém dado o papel crucial das capturas acessórias para a segurança alimentar na pesca em pequena
escala, como no nosso caso, sua viabilidade precisa ser melhor avaliada em termos dos aspectos sócio-econômicos. Finalmente,
independentemente de qual regulamentação da pesca possa ser aplicada no manejo da pesca de camarão em pequena escala em
Sirinhaém, nordeste do Brasil, encontramos evidências claras de que mudanças ambientais (ex., chuvas, produtividade
primária), conseqüência das mudanças climáticas, causam impactos adversos significativos no ecossistema. Estes efeitos devem
ser considerados em qualquer eventual medida regulatória, uma vez que o efeito cumulativo das mudanças ambientais e da
pesca, ameaça consideravelmente o ecossistema e, conseqüentemente, a sustentabilidade da atividade.