Resumo:
A leishmaniose visceral (LV) é uma doença negligenciada, amplamente dispersa e presente em
diversas regiões do globo que apresenta elevada letalidade quando não tratada. A alta toxicidade
dos fármacos convencionais utilizados na terapia da doença com relatos de cardiotoxicidade,
hepatotoxicidade e nefrotoxicidade é um fator limitante para seu tratamento. Além disso, o
surgimento de cepas resistentes do parasito aos fármacos convencionais coloca em xeque o
limitado arsenal terapêutico disponível. Dentre as opções farmacológicas atuais, a miltefosina
é o único agente anti-Leishmania administrado por via oral, porém, o surgimento de cepas do
parasito resistentes a este fármaco vem sendo reportado em todo o mundo. Sendo assim, o
desenvolvimento de novas estratégias de tratamento contra a doença se faz necessário e urgente.
Nesse contexto, a imunoterapia e/ou imunoquimioterapia vem ganhando destaque uma vez que
sua capacidade de ativação/modulação do sistema imune pode redirecionar a resposta
imunológica do hospedeiro. Somado a isso, a associação entre um imunobiológico e um
fármaco leishmanicida pode apresentar uma ação benéfica, resultando em melhora da eficácia
em eliminar o parasito, podendo levar a uma redução do tempo e do custo do tratamento. Diante
disso, propusemos neste estudo comparar diferentes esquemas de imunoquimioterapia
empregando a associação entre miltefosina e vacinas terapêuticas compostas por antígenos
totais de L. braziliensis associados aos adjuvantes saponina e/ou MPL (vacinas LBSap, LBMPL
e LBSapMPL) utilizando hamsters Mesocricetus auratus infectados com L. infantum como
modelo experimental. Para isso, este trabalho foi dividido em duas etapas. Na primeira, foram
avaliados os esquemas de tratamento que foram administrados de forma concomitante, onde as
imunoquimioterapias foram realizadas intercalando-se a imunoterapia com as vacinas LBSap,
LBMPL e LBSapMPL durante a quimioterapia com miltefosina. A partir dos dados obtidos na
etapa 1, como restabelecimento do quadro hematobioquímico e redirecionamento para uma
resposta imunológica do tipo Th1 com aumento da produção de citocinas pró-inflamatórias,
redução de IL-10 e de IgG circulante no soro dos animais tratados, consideramos que o
protocolo de imunoquimioterapia constituído pela combinação entre miltefosina e a vacina
LBMPL (Milt.+LBMPL) foi o que apresentou o melhor conjunto de resultados. Com isso,
prosseguimos para a etapa 2 na qual propusemos outros dois esquemas
imunoquimioterapêuticos utilizando esta associação entre miltefosina e LBMPL sendo, dessa
vez, iniciados ou com a quimioterapia ou com a imunoterapia, ou seja, o tratamento com o
fármaco ocorreu de forma separada ao tratamento com a vacina. Ao avaliar os principais
parâmetros hematobioquímicos, imunológicos e de eficácia terapêutica, foi demonstrado que
as imunoquimioterapias propostas, principalmente o esquema “misto” composto pela
combinação Milt.+LBMPL, foram capazes de promover a restauração dos níveis de plaquetas
no sangue e de aspartato e alanina aminotransferases (AST e ALT) no soro bem como redução
dos níveis séricos de IgG anti-Leishmania. Além disso, também houve aumento no número de
linfócitos esplênicos totais e CD4+ produtores de IFN-g e TNF, e diminuição da produção de
IL-10, seguida por uma redução da carga parasitária no baço dos animais tratados. Esses
resultados demonstram que os protocolos de imunoquimioterapia utilizados, em especial
Milt.+LBMPL, podem estimular a resposta imune, polarizando para uma resposta do tipo Th1
e induzindo uma resposta celular expressiva suficiente para controlar o parasitismo esplênico.
Nesse sentido, a combinação Milt.+LBMPL destaca-se como uma abordagem promissora a ser
empregada para o tratamento da LV, seja como avaliação primária na doença canina, seja como
perspectiva para o tratamento da LV humana.
Abstract:
Visceral leishmaniasis (VL) is a neglected disease, widely dispersed and present in several
regions of the world, with high lethality when left untreated. The high toxicity of conventional
drugs used in disease therapy, with reports of cardiotoxicity, hepatotoxicity, and nephrotoxicity,
is a limiting factor for its treatment. Furthermore, the emergence of strains of the parasite
resistant to conventional drugs calls into question the limited therapeutic arsenal available.
Among the current pharmacological options, miltefosine is the only anti-Leishmania agent
administered orally, however, the emergence of parasite strains resistant to this drug has been
reported worldwide. Therefore, the development of new treatment strategies against the disease
is necessary and urgent. In this context, immunotherapy and/or immunochemotherapy has
gained prominence since its capacity to activate/modulate the immune system can redirect the
host's immune response. In addition, the association between an immunobiological and a
leishmanicidal drug may have a beneficial action, resulting in improved efficacy in eliminating
the parasite, which may lead to a reduction in treatment time and cost. Therefore, we proposed
in this study to compare different immunochemotherapy schemes employing the association
between miltefosine and therapeutic vaccines composed of L. braziliensis antigens associated
with saponin and/or MPL adjuvants (LBSap, LBMPL and LBSapMPL vaccines) using L.
infantum-infected hamsters (Mesocricetus auratus) as an experimental model. For that, this
work was divided into two stages. In the first, we evaluated the treatment regimens that were
administered concurrently, in which immunochemotherapy was performed interspersing
immunotherapy with the LBSap, LBMPL and LBSapMPL vaccines during chemotherapy with
miltefosine. From the data obtained in step 1, such as reestablishment of the hematobiochemical
parameters and redirection to a Th1-type immune response with increased production of pro-
inflammatory cytokines, reduction of IL-10 and IgG circulating in the serum of treated animals,
we consider that the immunochemotherapy protocol constituted by the combination of
miltefosine and the LBMPL vaccine (Milt.+LBMPL) presented the best set of results. With
that, we proceeded to step 2 in which we proposed two other immunochemotherapeutic schemes
using this association between miltefosine and LBMPL, started with either chemotherapy or
immunotherapy, that is, the treatment with the drug occurred separately from the treatment with
the vaccine. By evaluating the main hematobiochemical, immunological and therapeutic
efficacy parameters, it was demonstrated that the proposed immunochemotherapies, mainly the
"mixed" scheme consisting of the combination Milt.+LBMPL, were able to promote the
restoration of blood platelet levels and serum aspartate and alanine aminotransferases (AST and
ALT) as well as reduced serum levels of anti-Leishmania IgG. Furthermore, there was also an
increase in the number of total splenic lymphocytes and CD4+ producing IFN-g and TNF, and
a decrease in the production of IL-10, followed by a reduction in the parasite load in the spleen
of the treated animals. These results demonstrate that the immunochemotherapy protocols used,
especially Milt.+LBMPL, can stimulate the immune response, polarizing to a Th1 type response
and inducing an expressive cellular response sufficient to control the splenic parasitism. In this
sense, the combination Milt.+LBMPL stands out as a promising approach to be used for the
treatment of VL, either as a primary evaluation in canine disease, or as a perspective for the
treatment of human VL.
Keyword:
Leishmania infantum, hamster Mesocricetus auratus, miltefosine, immunochemotherapy, LBMPL, LBSap, LBSapMPL