Distúrbios do sistema endocanabinoide (SEC) podem estar relacionados a ocorrência de doenças em diferentes espécies. As substâncias derivadas da Cannabis atuam sobre o SEC. Assim, postula-se que a utilização desses compostos possa trazer benefícios no tratamento de doenças. As epilepsias são condição clínica prevalente em cães. Parcela significativa desses animais continua a apresentar crises epilépticas mesmo com a utilização dos tratamentos farmacológicos atualmente disponíveis. Na medicina humana há bom nível de evidência científica da eficácia do uso de tratamentos com derivados de Cannabis no controle de crises epilépticas em algumas epilepsias refratárias. Nos últimos anos, têm surgido estudos que avaliam a utilização destes produtos em animais e relatos anedóticos da eficácia desses tratamentos na medicina veterinária. Ainda assim, atualmente as evidências de segurança e propriedades terapêuticas dessas substâncias em cães ainda são escassas. Este estudo teve como objetivos avaliar, em cães saudáveis, a segurança do emprego de extrato de Cannabis contendo os fitocanabinoides canabidiol (CBD) e Δ9-tetrahidrocannabinol (THC) acompanhado ou não do fenobarbital (fase 1), e, em cães epilépticos, analisar o efeito clínico da associação deste composto ao fenobarbital (fase 2). Na fase 1 foram utilizados 12 cães saudáveis mantidos em condições experimentais
aleatoriamente divididos em três grupos (n=4): G1 tratado exclusivamente com extrato de Cannabis, G2 tratado com associação do extrato ao fenobarbital e G3 tratado com associação do fenobarbital à solução placebo. Na fase 2, foram utilizados seis cães epilépticos acompanhados na rotina clínica do HV-UFMG, que estavam sendo tratados com fenobarbital e ainda assim apresentavam no mínimo uma crise epiléptica por mês. Foi utilizado delineamento simples-cego randomizado, e os animais foram divididos em dois grupos: G4 tratado com extrato de Cannabis associado ao fenobarbital previamente utilizado (n = 4) e G5 tratado com solução placebo associada ao fenobarbital previamente utilizado (n=2). Os 18 animais foram tratados por 60 dias. Durante o período, foram acompanhados quanto a frequência de crises epilépticas (fase 2) e ocorrência de possíveis efeitos colaterais aos tratamentos (fases 1 e 2). Além disso, foram realizadas reavaliações clínicas e laboratoriais (exame físico e neurológico, coleta de sangue para realização de hemograma, perfil bioquímico hepático e renal e mensuração sérica do fenobarbital, aferição de pressão arterial sistólica – PAS, frequência cardíaca média – FCM e realização de eletrocardiograma - ECG) em três tempos distintos: T0 – antes do início dos tratamentos, T1 – 30 dias após início dos tratamentos e T2 - 60 dias após início dos tratamentos. A instituição das terapias experimentais não determinou alterações significativas em exame físico, neurológico, avaliações de função cardiovascular, bioquímica renal e mensuração sérica do fenobarbital. Excetuando-se G5, os quatro demais grupos experimentais apresentaram alteração no número de hemácias e/ou nos índices hematimétricos (concentração de hemoglobina corpuscular média – CHCM - e/ou hemoglobina corpuscular média - HCM) em algum
momento do tratamento. Além disso, os animais tratados com associação do fenobarbital ao óleo de extrato de Cannabis (G2 e G4) apresentaram elevação na atividade sérica das enzimas fosfatase alcalina (FA) e alanina aminostransferase (ALT). O tratamento com óleo de extrato de Cannabis foi bem tolerado, tendo sido registrados efeitos colaterais infrequentes e de pouca repercussão clínica, não tendo havido necessidade de descontinuação da terapia em nenhum animal. Dois dos quatro cães epilépticos tratados com o extrato de Cannabis (G4) e nenhum dos cães tratados com placebo (G5) apresentaram redução na frequência de crises epilépticas superior a 50% sendo, assim, considerados responsivos ao tratamento. Foi registrada redução superior (33%) na frequência média de crises epilépticas mensais em G4 em relação a G5 (9%). No entanto, tal redução não foi estatisticamente significativa (p > 0.05). A utilização em cães de extrato de Cannabis em monoterapia ou associado ao fenobarbital foi segura na dose e tempo de tratamento empregados, considerando-se as variáveis acompanhadas neste estudo. Indica-se monitorização frequente de hemograma e bioquímica hepática neste tipo de tratamento – o último especialmente quando empregada a associação de derivados da Cannabis ao fenobarbital. A adição do óleo de extrato de Cannabis a tratamentos antiepilépticos com fármacos convencionais pode determinar ganho no controle de crises epilépticas em cães, podendo ser considerada estratégia terapêutica adjuvante em epilepsias caninas refratárias