A leishmaniose visceral (LV) é uma enfermidade de transmissão vetorial de grande preocupação para a saúde pública, sendo a forma mais grave das doenças causadas por protozoários do gênero Leishmania. É uma zoonose que apresenta distribuição mundial, sobretudo nos países em desenvolvimento, de ocorrência principalmente nas populações mais vulneráveis e com difícil acesso aos serviços de saúde, tornando-a uma das principais integrantes do grupo de doenças infecciosas negligenciadas de maior prioridade no mundo. Os cães são importantes reservatórios da Leishmania e participam da cadeia de transmissão da doença, tanto em ambientes urbanos quanto rurais. O objetivo deste estudo foi compreender o impacto do ambiente e do reservatório canino na epidemiologia da LV humana (LVH) e da LV canina (LVC) em um município brasileiro de pequeno porte, além de debater a importância da estratificação das áreas de risco para as ações de controle e prevenção da doença. Foram utilizados dois bancos de dados neste estudo: o primeiro contém todos os casos notificados de LVH cujo local de moradia descrito era o município de Unaí, abrangendo o período entre os anos de 2013 e 2016; já o segundo, obtido com a realização de um Inquérito Sorológico Canino, fornece o número de casos de LVC no município entre os anos de 2012 e 2016. Foi realizada a identificação dos bairros com as maiores concentrações de casos de LV em Unaí, possibilitando estratificar o município em áreas de maior risco para a doença. O município de Unaí notificou 115 casos suspeitos de LVH, havendo a confirmação de 21 deles no período compreendido entre janeiro de 2013 e dezembro de 2016. Dos casos confirmados de LVH no município, cerca de 76% (16/21) estavam concentrados em apenas cinco bairros, majoritariamente de baixa renda, com ambiente caracterizado pela grande quantidade de casas, além da presença de numerosas árvores frutíferas, terrenos baldios e cães errantes. Em relação à doença em cães, estes mesmos cinco bairros concentraram mais de 47% (381/808) dos casos de LVC em Unaí. O convívio com cães soropositivos para LVC foi um fator determinante para o aumento da prevalência da doença. Além disso, cães em situação de rua apresentaram uma prevalência de LV 2,66 (IC 95%: 1,22 - 5,77) vezes maior quando se compara à prevalência da doença em cães domiciliados, demonstrando a importância dos cães errantes como fatores determinantes na ocorrência da LV. Dessa forma, os resultados do presente estudo demonstram que os cães, em especial aqueles em situação de rua, possuem um papel importante na manutenção da doença dentro do território, além do que políticas públicas de manejo ético populacional são necessárias e urgentes.