O presente estudo tem como objetivo principal investigar como a Festa em Louvor a Santa Luzia, realizada anualmente no município de Aurilândia, pequena cidade do interior de Goiás, demonstra os modelos de vida e organização social dessa comunidade, na medida em que, ao observar a maneira pela qual a religiosidade norteia as práticas sociais, a referida festa evoca a história do lugar, aciona a memória coletiva e promove uma sensação de abundância diante da escassez, colocando pessoas, coisas, narrativas e os mais diversos aspectos vivenciais em movimento. Para atingir o objetivo proposto, realizamos uma pesquisa de campo, utilizando a edição de 2018 da Festa de Santa Luzia como corpus. No decorrer de sua realização, observamos que a história da Festa da Santa e a história do lugar se entrelaçam, formando uma celebração tradicional do município de Aurilândia. A Festa e a Santa assumem papéis importantes no imaginário da comunidade, na medida em que, a partir dela, é possível formular uma interpretação acerca das relações comunitárias de solidariedade, união, bem como as tensões e assimetrias que ela coloca em evidência. Durante a Festa de Santa Luzia, em 2018, observamos que ela se configura como um mecanismo de memória, na qual a fartura, anteriormente vivenciada no período de mineração de ouro e de diamante, reveste-se de sentido simbólico contra a escassez de recursos, pessoas, coisas e mobilidade. Ao mesmo tempo, a Festa modifica a fisionomia do local para além do significado simbólico, pois também consiste em um dispositivo de recreação, diversão, reencontros, reativação do aspecto econômico, entre outros. Em suma, o culto à Santa Luzia, em Aurilândia, desdobra-se num culto à comunidade, no qual os valores circunscritos no ethos social, desencadeados pela memória coletiva no ambiente religioso, são transformados em elementos de luta coletiva contra a escassez e, por sua vez, contra o esquecimento.