Neste trabalho, objetivou-se analisar a atuação do TCU na apreciação das contas da ex-Presidenta Dilma Rousseff relativas aos exercícios financeiros de 2014 e 2015, considerando que as irregularidades identificadas pela Corte, entre elas as chamadas “pedaladas fiscais”, foram os principais argumentos para justificar o pedido de Impeachment da então Presidente. Partiu-se da análise de um corpus constituído de excertos da denúncia, pareceres opinativos emitidos pelo TCU, manifestações do MPC e documentos fornecidos pela CEF e pelo BNDES, para discutir questões relacionadas aos argumentos mobilizados na denúncia e que foram extraídos do parecer opinativo emitido pelo TCU sobre as contas de 2014. A análise do corpus levou em consideração conceitos como abuso de memória e abuso de esquecimento, justiça, falácias por razões irrelevantes, overruling e distinguishing, além de outros saberes do campo jurídico, ligados, sobretudo aos Direitos Constitucional e Administrativo. Os resultados mostram que o TCU funcionou como fiador do Impeachment da então Presidente da República, ao fornecer a necessária causa jurídica para o pedido de afastamento, na medida em que toda a tentativa de demonstrar a prática de crimes de responsabilidade esteve ancorada em dados e argumentos contidos no parecer opinativo emitido em relação às contas de 2014. As análises de excertos da denúncia mostram ainda que foram desenvolvidos argumentos que buscavam desqualificar a imagem da então presidenta Dilma Rousseff de boa gestora e economista e vinculá-la a atos de corrupção, em que se encontravam implicados membros do PT, incluindo o ex-Presidente Lula, que, por não serem suficientes para justificar o Impeachment de um Presidente, podem ser considerados falácias por razões irrelevantes. Já as análises de dados e documentos fornecidos pela CEF e pelo BNDES e de pareceres emitidos pelo TCU mostram que as “pedaladas fiscais” eram uma prática em governos anteriores ao da ex-presidenta Dilma e, também, no governo de seu sucessor, sem que o TCU tenha considerado a existência de irregularidades. As análises de gestos de interpretação levados a efeito pelo TCU, no parecer opinativo emitido em relação às contas de 2014, evidenciam que a Corte aplicou, erroneamente, a técnica de interpretação e julgamento, conhecida como distinguish, para considerar como ilegais as “pedaladas” do governo Dilma, com o argumento de que elas se diferenciariam das dos governos anteriores, em razão da maior repetibilidade e do volume dos valores “pedalados”. Contudo, o art. 36, da LRF, que teria sido violado pelas “pedaladas fiscais”, não faz qualquer distinção quanto a valores ou número de operações. Assim, não haveria distinção entre as “pedaladas” de Dilma e as de seus antecessores a justificar um distinguish entre as duas situações analisadas; e se a situação fática era a mesma, o TCU, ao modificar o entendimento acerca da legalidade das pedaladas fiscais, superava entendimento anterior, sedimentado em decisões pretéritas, as quais não viam nas “pedaladas” qualquer irregularidade, motivo pelo qual deveria ter empregado, como técnica de interpretação e julgamento, o overruling, e não o distinguish. Por fim, constatou-se que, após o abuso de memória, com a espetacularização das “pedaladas fiscais” praticadas pela então presidenta Dilma Rousseff, o que contribuiu para a eclosão do processo de perda do cargo, seguiu-se o abuso de esquecimento, vez que o TCU não mais voltou a identificar “pedaladas fiscais” nas contas da Presidência, mesmo tendo elas ocorrido, e vez que o Congresso Nacional ainda não julgou as contas apresentadas pela então presidenta Dilma Rousseff em relação ao exercício financeiro de 2014.