MILANÊS, Renata B. “Todo mundo aqui quer ser patrão”: pernambucanizando o
empreendedorismo no Polo de Confecções de Roupas do Agreste. Tese (Doutorado em
Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade) Instituto de Ciências Humanas
e Sociais, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020.
O empreendedor tem se tornado um dos personagens mais enigmáticos no cenário das
transformações econômicas e sociais da contemporaneidade. Sua presença tem sido cada vez
mais recorrente, tanto no debate acadêmico como nos meios de comunicação de massa,
fazendo-nos questionar: estaríamos nós vivendo a era do empreendedorismo? Vários teóricos
de diferentes áreas do conhecimento têm dedicado grande parte dos seus estudos na busca de
tentar entender o avanço desse fenômeno. Entretanto, grande parte da literatura mainstream
sobre o tema vem reforçando uma padronização dessa figura através de perspectivas
hegemônicas, que tem como modelo padrão o empresário “modelo” do Norte global. Diferente
dessa visão, a pesquisa que aqui se segue, não tem como foco os modelos clássicos sobre o
empreendedorismo, mas traz como exemplo, o que vem ocorrendo no Agreste pernambucano,
desde meados de 1950, quando homens e mulheres começaram a fabricar roupas com restos de
tecidos e, a partir daí, conseguiram construir o que hoje é considerado como o segundo maior
polo têxtil do Brasil. Diante desse contexto, através de um diálogo teórico com abordagens
críticas sobre a economia e estudos pós-coloniais sobre o empreendedorismo, esta tese tem
como objetivo principal analisar a trajetória dos empreendedores têxteis do Polo de Confecções
do Agreste Pernambucano e refletir sobre as diferentes formas de inserção no mundo das
confecções de roupas. Intenta-se com isso entender, de um lado, quais caminhos são trilhados
na formação dos empreendimentos e das pessoas enquanto empreendedoras; e do outro,
compreender como elas desenvolvem o aprendizado e as habilidades técnicas e econômicas
para se manter no mercado do Polo. Esta tese lança, portanto, o seguinte desafio: como estudar
esse empreendedor do interior do Nordeste brasileiro, que está à margem do contexto europeuamericano das teorias? Visando “pernambucanizar” o empreendedorismo para entender melhor
a realidade analisada, os casos trazidos aqui se concentram nas trajetórias de vida de pessoas
que possuem empreendimentos (de pequeno, médio e grande porte) voltados para a confecção
e comercialização de roupas. A pesquisa revela que o que atualmente chamamos de
empreendedorismo, na realidade local, pode ser definido como a cultura do “trabalhar sem
patrão”. Se libertar da autoridade do outro constitui um dos elementos mais característicos e
marcantes do Polo. É possível perceber que essa possível “vocação” empreendedora da região
tem raízes profundas no contexto familiar dos indivíduos que compõem o Polo, assim como
também na experiência histórica e anterior do trabalho agrícola dessas pessoas. Sendo assim,
as trajetórias de vida dos entrevistados trazem à tona alguns elementos que serão abordados no
decorrer dos capítulos, tais como: o trabalho desde a infância, o pouco acesso à educação, as
distinções de gênero, a importância das redes de relações pessoais nos negócios, as crises, os
calotes e a vontade de enriquecer. Por fim, tendo em vista a necessidade de abordagens
alternativas e contra hegemônicas à forma predominante de conceber o empreendedorismo,
espera-se que esta tese possa contribuir para a análise da atividade empreendedora em
ambientes institucionais fluídos, com recursos escassos e em economias do Sul global, como é
o caso do campo empírico desta pesquisa, para que possamos pensar no Brasil contemporâneo.