O uso de medicamentos por mulheres durante a gestação e lactação é uma
prática muito frequente. Considerando o fato de que o uso de medicamentos
nestas fases pode ter influência também na saúde da criança, a informação
sobre seu uso durante a vida reprodutiva é importante para todos. A falta de
informações claras sobre este assunto resulta em situações em que o
tratamento é interrompido ou usado em doses reduzidas por mulheres grávidas
ou lactantes, enquanto que, por outro lado, medicamentos com potenciais
efeitos tóxicos são ingeridos, o que torna o tema um problema de saúde
pública que deve ser abordado. Além disso, independentemente da indicação
de medicamentos para doenças agudas ou crônicas pré-existentes, alguns
medicamentos são recomendados rotineiramente durante a gravidez no Brasil,
como o sulfato ferroso e o ácido fólico, desde o período pré concepcional e
principalmente no primeiro trimestre da gestação
Utilizando dados da Coorte de Nascimentos de Pelotas de 2015, essa tese teve
como objetivos descrever o uso de medicamentos pelas gestantes cujos filhos
participaram do estudo, descrever o uso de medicamentos por essas mulheres
na fase inicial da lactação e sua relação com o desmame e avaliar a relação do
uso de ácido fólico durante a gestação e a ocorrência de depressão pós-parto.
Os resultados do primeiro artigo demonstraram que a prevalência de uso de
medicamentos foi de 92,5%, excluindo sais de ferro, ácido fólico, vitaminas e
outros minerais. A prevalência de automedicação foi de 27,7%. Na análise
ajustada, as mulheres que tiveram três ou mais problemas de saúde durante a
gravidez demonstraram maior uso de medicamentos. A automedicação foi mais
frequente nos grupos de baixa renda, entre fumantes e multíparas (três
gestações ou mais). Paracetamol, escopolamina e dimenidrinato foram os
medicamentos mais usados.
O segundo artigo teve como objetivo descrever o uso de medicamentos pelas
mães do nascimento até o terceiro mês pós-parto, avaliar a sua associação
com o desmame e descrever os comportamentos destas mulheres em relação
à amamentação e uso de medicamentos. O uso de medicamentos com algum
risco para a lactação foi frequente (79,6% considerando as Categorias de Risco
na Lactação de Hale e 12,3% considerando os critérios do Ministério da Saúde
do Brasil). Não encontramos diferenças estatisticamente significativas para o
desmame aos 6 ou 12 meses entre o grupo que não fazia uso de
medicamentos ou usava apenas medicamentos compatíveis e o grupo que
usava medicamentos com algum risco para a lactação, segundo ambos os
critérios. Quanto aos comportamentos analisados, 10,6% das mães
participantes do estudo responderam que optaram por não usarem
medicamentos por estarem amamentando e 2,8% delas pararam de
amamentar devido ao uso de algum medicamento. Entre as mães que não
amamentaram, 10,2% delas relataram que o uso de medicamentos foi o motivo
para a criança não ter sido amamentada. Adicionalmente, foi realizada uma
análise sobre o uso de anticoncepcionais hormonais e sua relação com a
duração da amamentação. Na análise ajustada, houve proteção para o
desmame dos três aos seis meses pós-parto entre as mulheres que usaram o
grupo de anticoncepcionais somente com progestagênio.
O terceiro artigo teve como objetivo verificar se a suplementação de ácido
fólico durante a gravidez está associada com a ocorrência de sintomas
depressivos aos três meses pós-parto na Coorte de Nascimentos de Pelotas de
2015. As mulheres foram classificadas em três grupos: sem suplementação de
ácido fólico, uso durante apenas um trimestre da gestação e uso durante dois
ou três trimestres. Os sintomas depressivos maternos foram avaliados aos três
meses pós-parto através da Escala de Depressão Pós-natal de Edimburgo
(EPDS). A prevalência do escore >=10 na EPDS foi de 20,2% e >=13 foi de
11%. Mulheres que não utilizaram ácido fólico na gestação tiveram maior
prevalência de sintomas depressivos, porém, nas análises ajustadas, não
houve associação estatisticamente significativa entre o uso de ácido fólico na
gestação e a ocorrência de sintomas depressivos aos três meses pós-parto,
considerando os dois pontos de corte.
O estudo apresentou o padrão do uso de medicamentos durante a gestação e
lactação em uma amostra de base populacional em uma cidade de médio
porte, demonstrando uma alta prevalência de automedicação na gravidez e
uma prevalência elevada de uso de medicamentos com algum risco para a
lactação até três meses pós-parto, embora não tenha sido comprovada
associação do uso desses medicamentos com o desmame. Também realiza
uma análise sobre outro possível benefício do uso de ácido fólico durante a
gravidez, apesar da perda de significância estatística após o controle para
fatores de confusão. Este estudo pode contribuir para o reconhecimento de
práticas indevidas e aumento do uso seguro de fármacos nessa fase, além de
destacar a importância da suplementação de ácido fólico na gestação.