Esta tese se propôs investigar as operações realizadas pelo dispositivo leitura, a fim de saber
por que o aluno já em série em que deveria ser proficiente em leitura não consegue sê-lo
proficientemente, tampouco politicamente? Pensar a existência de um dispositivo implicado
nas operações que envolvem acesso democrático aos conhecimentos e controle de saberes
foi importante para se compreender as tecnologias implicadas nas práticas de poder. Não
poder que visa à punição, à interdição, mas o poder que atravessa os corpos e está espalhado
por todos os lugares, controlando formas de pensar, de dizer, de ver e de agir sobre o mundo,
conforme postulou Foucault (1970, 1984, 1989 e 2009). O poder que, atrelado às práticas de
saber, produz modos de subjetivação. Para se chegar ao reconhecimento de elementos que
constituíam o dispositivo leitura, inicialmente analisou-se minuciosamente as práticas de
outros dois dispositivos: o escolar e o estatal. O processamento de dados reconheceu objetos
e mecanismos que não contemplavam as práticas de nenhum desses dois dispositivos, mas
que constituíam domínios associados específicos, que lançavam luz à existência de outro
dispositivo, o dispositivo leitura. São as operações mobilizadas por esse dispositivo que
padroniza as interpretações das leituras realizadas nas escolas; que recorta quais leituras
podem ser trabalhadas em determinados anos de ensino; que estabelece como elas devem
ser utilizadas em determinadas disciplinas, ao mesmo tempo que silencia outras; que
regulariza quais leituras são autorizadas a circularem nas escolas; que delibera quais sofrem
interdições escolar; que delineia quem será o Professor de leitura etc. Esse dispositivo
operacionaliza práticas com o objetivo de tornar homogêneas concepções e atividades
naturalmente heterogêneas, a fim de não tornar os alunos sujeitos reflexivos de suas
realidades. Para essa discussão, elegeu-se como objeto de pesquisa a sala de leitura do
município de Belém. Inicialmente, conforme o nome sugerira, configurou-se como um
espaço físico implantado para fomentar o exercício da leitura. Porém, esse novo lugar de
ensinar a ler iniciou suas atividades sem definir em quais conceitos de leitura a Secretaria
Municipal de Educação estava se apoiando, por quais ações a sala de leitura deveria se
constituir e quem seria o professor capacitado para atuar legitimamente em tal espaço.
Baseando-se em análises documentais, nas entrevistas realizadas com Professores e
formadoras da sala de leitura, nas observações das aulas das Professoras entrevistadas e na
análise das histórias da leitura e do seu ensino recortadas para esta pesquisa, tomando por
base principal Fischer (2006) e Chartier (2011), buscou-se a(s) resposta(s) da pergunta
norteadora desta pesquisa, que trouxe como resultados que a leitura funciona como um
dispositivo, por ter práticas e técnicas específicas e por operacionalizá-las de modo a
controlar e produzir saberes a serviço do poder hegemônico.