A hanseníase é uma doença transmissível, negligenciada e incapacitante. No Brasil, foram diagnosticados 25.218 casos novos de hanseníase no ano de 2016. A endemia segue alvo de estudos, uma vez que se observa a redução da prevalência da doença, mas com contínuo registro de casos novos ao ano e distribuição heterogênea pelo país. No diagnóstico, observam-se percentuais expressivos de avaliação de incapacidade grau II. Ou seja: pessoas que apresentam deficiências adquiridas em razão da doença. Só no Estado de São Paulo, 14,1% dos novos casos apresentaram grau II em 2016, um indicador epidemiológico que evidencia o diagnóstico tardio. Este trabalho teve como objetivo analisar o itinerário terapêutico da pessoa com hanseníase e deficiência adquirida identificada no diagnóstico. Trata-se de um estudo qualitativo do tipo exploratório e descritivo. Os dados produzidos foram obtidos através de levantamento epidemiológico, análise documental e entrevista em profundidade com pessoas com hanseníase. Além disso, o material foi submetido à análise de conteúdo, categoria temática. O cenário escolhido foram dois municípios da Região Metropolitana da Baixada Santista: Praia Grande e São Vicente. Importante destacar que as cidades apresentaram semelhanças na constituição dos serviços de saúde, com perfis epidemiológicos parecidos. Em 2016, o grau II foi identificado em 16,66 % dos pacientes em São Vicente e em 15,38%, em Praia Grande. Para a realização do trabalho, foram entrevistados todos os participantes elegíveis, sendo três homens e uma mulher, com idades entre 45 e 61 anos. Do total, três estão aposentados por invalidez e um continua trabalhando. Importante destacar que os participantes apresentaram distintas trajetórias assistenciais para alcançar o cuidado em saúde. No encaminhamento, foram valorizadas as alterações estéticas causadas pela doença e ignoradas as alterações funcionais e as deficiências adquiridas. Já as categorias foram caracterizadas em quatro temáticas: cuidado em saúde; corpo na hanseníase; incapacidades na hanseníase e diagnóstico tardio. Através da análise dos intrincados itinerários terapêuticos, concluiu-se que os fatores que contribuíram para o diagnóstico tardio foram: a negligência na atenção as necessidades de saúde, observada pela dificuldade dos participantes em acessar o diagnóstico e tratamento oportuno da hanseníase; entrelaçamento histórico entre a “lepra” e a hanseníase que perpetua o estigma; ausência de informação sobre os sinais e sintomas da hanseníase entre a população ea inabilidade dos profissionais para o diagnóstico que contribuíram para a invalidação das queixas das pessoas adoecidas e demonstraram a fragilidade do cuidado. O estudo revelou o protagonismo dos participantes que, através do agir leigo, em busca de cuidado, modelam o sistema de saúde, demonstrando assim a real plasticidade dos recursos em saúde. Além disso, demonstrou para o serviço de referência sua responsabilidade, com novos desafios e enfrentamentos nos possíveis avanços em educação em saúde para a sensibilização e informação para o diagnóstico da hanseníase. Por fim, destacou ainda o itinerário terapêutico como ferramenta potente para a análise da atenção e do cuidado em saúde.