Introdução: O acesso a medicamentos é reconhecido como um importante indicador para a avaliação da qualidade de políticas públicas de saúde. Além disso, o acesso a medicamentos é fundamental na garantia do direito constitucional, porém tem sido motivo de preocupação, por conta da dificuldade em se obter medicamentos nos últimos anos. No caso de medicamentos do componente especializado da Assistência Farmacêutica, a falta de acesso pode ser particularmente mais grave, considerando os elevados preços, além de muitos medicamentos estarem com patentes ainda vigentes. No mundo, estratégias vêm sendo adotadas na busca pelo fornecimento de produtos farmacêuticos no setor público, como a distribuição direta para pacientes ou por meio de centros de distribuição em unidades de saúde ou de farmácias privadas. Devido a isso e, considerando o cenário de falta de medicamentos no Brasil, uma avaliação econômica da mudança do serviço de fornecimento desses medicamentos no contexto brasileiro torna-se necessária. Objetivos: Avaliar a satisfação dos indivíduos em relação às cinco dimensões de acesso nos serviços de assistência farmacêutica, públicos e privados, além de definir um indicador único de acesso a medicamentos; realizar o levantamento dos valores de aquisição dos medicamentos especializados disponíveis nos serviços públicos e precificar os medicamentos se o fornecimento fosse por meio do modelo de terceirização para a rede privada para, por fim, realizar uma avaliação econômica do componente especializado da assistência farmacêutica pública no Brasil avaliando a produção direta dos serviços pelo setor público e o de terceirização dos serviços pelo setor privado. Métodos: Foi realizado um estudo epidemiológico descritivo para mensurar a satisfação em relação às dimensões de acesso, conforme definição de Penchansky & Thomas (1981). A coleta foi realizada com indivíduos que obtiveram seus medicamentos em farmácias públicas e/ou privadas. Esse estudo também serviu de base para propor o indicador único de acesso, ponderado pela importância e satisfação dada pelos indivíduos. Para o levantamento dos valores de aquisição dos medicamentos especializados, foi realizada uma busca em bancos de dados oficiais a partir de uma lista com todos os medicamentos e seus respectivos códigos de procedimento. Porém, foram identificados vários medicamentos com valores zerados. Com o intuito de solucionar tal problema, foram solicitados ao órgão federal, os valores de aquisição dos medicamentos adquiridos pelo Ministério da Saúde. Ainda assim, verificou-se que o problema persistiu em casos de aquisição descentralizada. Desse modo, nova busca foi realizada, desta vez, no Banco de Preços em Saúde. Constatou-se vários registros de compras de um mesmo medicamento com distintas quantidades em cada ano avaliado. Assim, optou-se por calcular a média ponderada do valor pela quantidade adquirida no mesmo período. Os valores discrepantes foram excluídos. E, para preencher os campos excluídos, utilizou-se o valor de aquisição do ano mais próximo àquele do valor excluído. Para estimar os valores dos medicamentos se o fornecimento fosse por meio de farmácias privadas, foi utilizada a lista de preços de medicamentos disponíveis na Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos. Definiu-se como valor de referência as médias ponderadas pelo número de fabricantes e marcas dos valores abaixo do 1° decil do Preço Máximo de Venda ao Governo - PMVG 0%. Por fim, foi realizada uma avaliação econômica, sob a perspectiva do sistema de saúde público, para fornecer acesso a medicamentos: farmácias públicas versus farmácias privadas. Foram identificados os tipos de recursos consumidos, os valores e os custos de ambos os cenários. Resultados: Foram entrevistados 580 indivíduos e os resultados revelaram que os indivíduos que acessam exclusivamente os serviços públicos, estavam, em sua maioria, mais insatisfeitos que os indivíduos que acessam exclusivamente os serviços privados. No geral, os entrevistados atribuíram pontuações de importância muito semelhantes às dimensões de acesso a medicamentos. A tabela de custos unitários de medicamentos construída incluiu os valores de aquisição de 162 fármacos distintos que representam ao todo 969 medicamentos que variam por possuir diferentes apresentações e/ou mais de um código de procedimento ao longo do período estudado. Em relação a precificação dos medicamentos, se fornecidos no modelo privado, também foi construída uma tabela com os custos unitários de 129 fármacos que representam ao todo 244 medicamentos com diferentes apresentações, utilizados como variáveis no modelo econômico. Os resultados do modelo econômico apontam para um custo incremental de 3,1 bilhões de dólares PPP (R$ 6,3 bilhões) em um cenário de descontos nos preços dos medicamentos, mas com um aumento no acesso aos medicamentos de 65% a 90% para os cidadãos. Considerações finais: Os resultados sobre a satisfação dos indivíduos considerando as cinco dimensões de acesso a medicamentos revelaram um nível de insatisfação maior nos indivíduos que acessam exclusivamente os serviços públicos. Considerando ainda que a importância dada pelos entrevistados às várias dimensões de acesso foi semelhante, identifica-se a necessidade de formulação de novas políticas públicas que priorizem ações voltadas a todas as cinco dimensões de acesso. A proposta de um indicador único de acesso a medicamentos traz ainda a oportunidade de melhorar a pesquisa e os diagnósticos sobre o acesso em diferentes serviços e localidades, possibilitando comparações e direcionamento das políticas públicas. Já os resultados da avaliação econômica apontam dominância econômica da alternativa de credenciamento das farmácias privadas pelo sistema público. Além disso, o ganho médio de 25% no acesso aos medicamentos para o componente especializado traria uma elevação nos gastos do sistema de saúde público, com um custo incremental de cerca de 3 bilhões, mas com aumento da cobertura pela população, sugerindo a negociação de preços com as empresas que operam o setor farmacêutico. É preciso, no entanto, uma discussão mais aprofundada sobre a operacionalização, na prática, desse modelo de fornecimento de medicamentos no Brasil com previsão de acompanhamento dos indivíduos de forma integrada aos serviços de saúde.