O presente trabalho busca refletir sobre a questão da autonomia social da arte a partir da noção de campos de produção simbólica, conforme proposta por Pierre Bourdieu, aplicando-a universo das artes visuais paulistano. De acordo com o sociólogo francês, nos campos impera uma lógica “antieconômica” que denega os ganhos materiais, em detrimento do acúmulo do capital simbólico que só os próprios campos podem conceder. E, embora submetidos aos campos econômico e do poder político e, por isso, dotados de uma autonomia relativa, os campos estabelecem suas próprias regras de funcionamento, tornando-se refratários a quaisquer interferências externas. Por sua vez, a Lei nº 8.313, conhecida como Lei Rouanet, instituiu um sistema de financiamento público à cultura. Um dos dispositivos previstos pela Lei, o mecenato, concede às pessoas físicas e empresas que patrocinarem iniciativas culturais pré-aprovadas pelo Ministério da Cultura o direito de deduzir, em parte ou em sua totalidade, de acordo com o tipo de projeto apoiado, os valores desembolsados dos montantes devidos ao Estado a título de Imposto de Renda. Essas pessoas e empresas obtém, além disso, o direito veicular seus nomes e logomarcas em toda comunicação das iniciativas culturais que patrocinarem. Dispõem, dessa forma, de um mecanismo que lhes permite, indiretamente, selecionar quais projetos receberão recursos públicos e beneficiar-se da publicidade decorrente do projeto patrocinado, contaminando-se com o capital simbólico produzido no interior do campo, distinguindo-se, enfim, entre seus pares dos campos político e econômico. Tendo em vista a escassez de recursos públicos, os artistas e demais agentes culturais veem-se submetidos a avaliações por partes de atores externos ao campo de produção simbólica, de acordo com critérios, muitas vezes, externos a estes. Diante desse cenário, nos propomos a averiguar o grau de interferência no campo das artes visuais possibilitado por tal mecanismo de financiamento à cultura. Para isso, o Museu de Arte Moderna de São Paulo, o MAM-SP, foi selecionado como objeto de análise, buscando-se verificar o quanto as decisões curatoriais do Museu foram afetadas pela nova dinâmica de obtenção de recursos públicos para ações culturais estabelecida pela Lei Rouanet. Em outras palavras, se o modus operandi para obtenção de recursos públicos para cultura conhecido por mecenato constitui uma ameaça à autonomia relativa do campo das artes visuais paulistano.