Se a cristalização de um núcleo de representações pode servir ao bloqueio do
devir de uma cidade e da amplitude do seu uso, procurou-se, nesta dissertação,
adentrar aquelas que se colocam sobre São Gonçalo, sobrepondo-a: buscamos
compreendê-las – as representações – para desfazer seus nós, observá-las para
poder ver além delas. Um desdobramento deste esforço, inicialmente, se deu
através da tentativa de tensionar o conceito de cidade-dormitório com a cidade em
si: suas formas e as práticas que a atravessam. Entende-se que o conceito de
cidade-dormitório, há muito presente nas discussões sobre São Gonçalo, provoca,
ao evidenciar-se, uma ausência: as várias possibilidades de se enxergar e
representar a cidade se ofuscam sob a presença constante do conceito, assim como
o lado iluminado da lua esconde sempre a sua contraface oculta. Um dos temas que
permanecem encobertos por conta desta representação dominante é uma maior
compreensão do espaço público da cidade e do seu uso comum. Partindo do
entendimento de que o espaço público permeia toda a malha urbana e, portanto,
está presente em toda ela, procuramos por indícios materiais e imateriais que
demostrem o seu retraimento ou a sua abertura, tendo por contexto o tecido urbano
gonçalense, mais especificamente o centro da cidade. Sabendo que os sujeitos
moldam as formas urbanas que, por sua vez, moldam os sujeitos, exploramos um
tipo de abordagem que trata tanto do ambiente construído quanto das práticas dos
sujeitos na cidade – ville e cité –, não se esquecendo, neste percurso, além da
maneira que se vive na cidade, a maneira que se quer viver nela. Como um
exercício, propomo-nos, por fim, um pensamento proposicional do tipo prático,
tentando apontar, materialmente, alguns modos de abrir a cidade. Aqui, entende-se
que o espaço público deve ser mais que um suporte para o fluxo ou um espaço
árido, pensado para reduzir o risco – pensá-lo unilateralmente sob os aspectos da
mobilidade ou da segurança é restringir bruscamente as suas possibilidades.
Vivendo num mundo cada vez mais globalizado e progressivamente urbano, o
contato com estranhos se coloca como uma realidade inelutável: será preciso,
portanto, não somente aprender a lidar com a fricção das diferenças, mas saber,
deste contato, extrair benefícios. Para além das diferenças sectarizadas, polarizadas
e fechadas em si, procurar a permeabilidade entre elas; descobrir, nas diferenças, o
comum. O espaço público toma centralidade nesta discussão: para conviver e
aprender a compartilhar um sentido, um horizonte comum, será preciso, antes de
tudo, compartilhar um espaço.