Nas últimas décadas, o estudo da leucemia linfoblástica aguda de precursor B (LLA-pB) na infância concentrou-se na caracterização precisa dos eventos oncogênicos que ocorrem na célula leucêmica em si, mas um grande número de evidências vem indicando a existência de uma predisposição genética que, associada ao papel do microambiente medular na patogênese da LLA-pB, poderia favorecer o desenvolvimento da doença. Esse background genético pode ser traduzido sob a forma de alterações imunofenotípicas nas células que compõe a hematopoese residual. O objetivo do nosso trabalho foi analisar o perfil imunofenotípico dos neutrófilos na medula óssea (MO) e no sangue periférico (SP) de 118 crianças com LLA-pB e sua relação com as características da doença. Em paralelo, avaliamos também a frequência das células estromais mesenquimais e endoteliais por citometria de fluxo multiparamétrica (CFM) em 236 amostras sequenciais de MO de 87 crianças com LLA-pB, e sua possível relação com a detecção de doença residual mínima (DRM) e com a sobrevida livre de doença (SLD). Nossos resultados indicam a presença de alterações de fenótipo em neutrófilos na maioria (77%) dos casos de crianças com LLA-pB. O marcador mais frequentemente alterado foi CD10 (53%), seguido pelo CD33 (34%), CD13 (15%), CD15/CD65 (10%) e CD123 (7%). As crianças mais novas apresentaram maior frequência de alterações de fenótipo em neutrófilos (p=0,03) assim como percentuais mais baixos de maturação a neutrófilos na MO (p=0,004), juntamente com contagens maiores de linfócitos (p = 0,04) e células B maduras (p=0,03). Nenhuma associação significativa foi encontrada em relação a outras características da doença. Além disso, a identificação das células estromais nas amostras de acompanhamento de crianças com LLA-pB foi realizada com base no perfil de expressão CD73+/ CD304forte/ CD81forte/ CD45- e pelo padrão heterogêneo de dispersão de luz. As células mesenquimais foram identificadas como sendo CD10+/CD34-, enquanto as células endoteliais expressavam CD10-/CD34+. No geral, as células estromais foram detectadas em frequências relativamente baixas em todas as amostras controles (100%; 10/10) e na maioria das amostras de LLA-pB (88%; 208/236). Não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre as subpopulações de células estromais nos pontos de tratamento avaliados assim como foram observadas frequências similares de acordo com o status da DRM durante a terapia. No grupo de 87 crianças com LLA-pB, a SLD foi avaliada e, como já era esperado, confirmamos o impacto prognóstico da DRM+ no dia +78 (hazard ratio (95% IC): 8,71 (2,48-30,66); p=0,01). Além disso, a presença de ≥32% de células endoteliais no compartimento de células estromais da MO no dia +78 também provou ser um fator prognóstico independente (hazard ratio (95% IC): 3,25 (1,04–10,16); p = 0,04). Assim, a combinação do percentual de células endoteliais da MO com a detecção de DRM no dia +78 forneceu valor preditivo adicional para a sobrevida livre de doença das crianças com LLA-pB. Esses achados apontam para a existência em potencial de uma hematopoese residual alterada na maioria dos casos de LLA-pB e sugerem que a distribuição desequilibrada de células estromais mesenquimais/endoteliais no dia +78 da terapia está associada a uma menor SLD desses pacientes.