As mídias constituem-se em mediadores pelos quais os sujeitos se relacionam, compreendem
e significam o que os cerca, onde sentidos são construídos e reconstruídos, narrativas são
negociadas e disputas pela interpretação do mundo são travadas. Para ambientar essa
investigação escolheu-se o rádio, entendido como uma plataforma midiática que proporciona
a experiência do ouvir, do falar, do imaginar, do dialogar sobre o cotidiano. Toma-se como
objeto específico a Radiodifusão Comunitária (RadCom), enquanto fenômeno em movimento
e em constante transformação, que se configura como um campo de lutas envolvendo atores
diversos. Parte-se do pressuposto que cada experiência de RadCom constitui-se em um
universo de linguagens, códigos e práticas, sob uma pluralidade de ritmos e lógicas
articuladas, em cada cultura, região, localidade e em contextos determinados e que, via de
regra, afloram do inconformismo frente a diversas situações de injustiça, opressão, exclusão e
silenciamento. A questão central que se procura responder é: mediante quais condições as
experiências de Radiodifusão Comunitária, situadas em cenários culturais e histórico-sociais,
compõem ambientes de produção de sentidos na perspectiva da heteroglossia? Sob a égide de
uma abordagem sócio-histórica, expõe-se inicialmente um estudo exploratório e descritivo de
caráter bibliográfico e documental, a fim de que essas práticas comunicativas alternativas
possam ser compreendidas em interlocução com a história e a cultura, a partir dos sujeitos e
dos contextos que lhes dão inteligibilidade e materialidade. Busca-se aporte em Bakhtin
(2009, 2011), no esforço de compreender os processos midiáticos, considerando a produção
de sentidos e as condições de possibilidade da heteroglossia que por meio deles são
engendrados. Num segundo momento, apresenta-se uma investigação de campo em que foram
observadas duas experiências de RadCom: a Rádio Liberdade, de Três Palmeiras e a Rádio
Comunitária de Frederico Westphalen, ambas situadas na região Norte do Rio Grande do Sul.
Com base no estudo de caso como método de investigação, foram produzidos dados a partir
de uma triangulação de fontes: entrevistas com locutores e gestores, pesquisa de opinião
pública com as audiências e elaboração de diários de escuta sobre as programações das
emissoras. Adota-se para a análise dos dados os parâmetros teóricos da Análise Dialógica do
Discurso (ADD), de orientação bakhtiniana. Os resultados indicam que essas práticas
comunicativas alternativas e de caráter comunitário, mesmo em meio às vicissitudes e
contradições a que estão expostas, têm potencialidades para promover situações discursivas
marcadas pela heteroglossia. Isso ocorre quando estabelecem proximidade com o que envolve
a vida das pessoas; quando promovem experiências comunicativas que dão apoio para que as
mais diversas vozes ecoem nos diálogos sociais; quando reverberam espaços de tensões
mobilizadoras e pontos de vista dissonantes; quando apresentam potencial transgressivo à
padronização discursiva e às lógicas convencionais de comunicação; quando constituem
cenários de enfrentamento e processos de resistência e quando fazem opção políticoideológica pelos discursos periféricos e marginalizados. Situações discursivas não se
constituem heteróglotas única e exclusivamente pela licença ou permissão que concedem às
vozes a fim de que participem dos processos de produção de sentido, nem pela ausência de
conflitos e pressões sociais, mas pela forma como respeitam e celebram a multiplicidade e a
arquitetura que oferecem para que elas dialoguem. A relevância pedagógica destas mídias
alternativas reside nos modos de interação que podem proporcionar, nas possibilidades de
interlocução que são capazes de ocasionar e quando são capazes de construir ambientes
propícios para que as posições dos falantes entrem em um cenário discursivo plural e
participem ativamente na constituição dos sentidos. Pluralidade que, manifestada
publicamente, enriquece a experiência humana como um todo e a vida de cada um.