Com frequência, a pequena política é associada à crítica de Nietzsche ao nacionalismo, ao parlamentarismo e ao antissemitismo e contraposta à grande política. Por constar somente em três passagens publicadas e em dois fragmentos póstumos, ela parece desprovida de um desenvolvimento conceitual próprio e complexo. Sustentamos, no entanto, que tais aforismos nos possibilitam uma argumentação mais robusta. Relacionada ao enfraquecimento da vontade, a pequena política moderna se deriva, de modo mais refinado e intensificado, do projeto milenar de domesticação das forças humanas advindo da filosofia socrático-platônica e do cristianismo. Nossa hipótese é que ela institui um tipo humano baseado nos instintos gregários (medo, conforto, segurança e felicidade) a fim de se conservar. Para isso, sua racionalidade política mobiliza as forças humanas para que elas se concentrem em assuntos, ideais e objetivos supérfluos e se impossibilitem de superar os limites existenciais estabelecidos pelas pequenas pessoas da modernidade. As instituições (Estado, família, igreja, estabelecimentos de ensino e laborais) forjam e educam cotidianamente seus indivíduos para que eles voltem sua atenção para elas mesmas e, desse modo, se esgotem fisiologicamente, consumindo e esbanjando suas forças por meio da mediocridade. Ou seja, os indivíduos modernos estabelecem assuntos e meios para que eles enfraqueçam a si. “Poderoso” é, nesse sentido gregário, aquele que mais pode conservar suas estruturas políticas e morais. Por conseguinte, para se ter mais “poder” é preciso ser fisiologicamente mais fraco e mais astuto, causando uma intensificação nos processos de domesticação e conservação. Cria-se um paradoxo em que, quanto menos medo e mais conforto, segurança e felicidade se almeja, mais medo e menos conforto, segurança e felicidade se tem. O nacionalismo, o antissemitismo e o parlamentarismo são, assim, apenas consequências dessa lógica (semelhante ao fanatismo, à hipocrisia dos governantes e às filosofias modernas); mas que, rapidamente, se tornam o fundamento da modernidade que, por sua vez, eleva-se constantemente a novas intensidades de domesticação e de gregarismo.