A literatura neodarwiniana a respeito da evolução da religião foi, recentemente, dividida por
um debate fundamental entre teorias adaptacionistas (que buscam explicar os comportamentos
religiosos como produtos de pressões seletivas atuando em prol das religiões, devido ao seu
papel na promoção da cooperação) e teorias não-adaptacionistas (que explicam as crenças
religiosas como subprodutos adaptativos ou produtos de mecanismos cognitivos cujo valor
adaptativo é baseado em outras funções não-religiosas). No entanto, ambas essas perspectivas
podem ser consideradas não apenas como consistentes, mas, também, como partes
complementares de uma grande teoria unificada. Como forma de ilustrar tal alegação e explicar
como essas descrições teóricas estariam positivamente relacionadas (para além da mera
consistência), um modelo do fenótipo religioso, que foi oferecido independentemente por
autores de ambos os lados do debate “adaptação vs. subproduto”, será inferido a partir da
literatura especializada existente. Sob tal perspectiva, o fenótipo religioso seria mais
adequadamente concebido como um sistema complexo de traços exaptados, ou seja, um
conjunto estruturado por pressões seletivas (culturais) atuando em prol das religiões, mas cujas
partes constituintes teriam sido “projetadas” pela seleção natural para servir a funções nãoreligiosas. Isto posto, a aplicação deste modelo a uma nova e influente teoria da evolução das
religiões, baseada na seleção cultural, torna possível responder a algumas questões básicas,
oriundas dos pressupostos necessários para a unificação dessas, supostamente conflitantes,
descrições teóricas, além de permitir explicar como, de um ponto de vista lógico, sua integração
poderia, de fato, ser alcançada. Em síntese, conclui-se que as suposições compartilhadas
incorporadas na perspectiva exaptacionista do fenótipo religioso já são suficientes para
conciliar as descrições adaptacionistas e de subproduto, avançando para além de tal debate, em
direção a uma futura teoria abrangente e unificada da evolução biocultural da religião.