A febre maculosa é uma doença febril aguda, com sintomatologia inespecífica, causada por bactérias do gênero Rickettsia e transmitida por carrapatos. Nesse trabalho relatamos a investigação eco-epidemiológica de dois casos da doença ocorridos no bioma Pampa brasileiro, nas cidades de Rosário do Sul em 2011, e Toropi, área de transição com Mata Atlântica, em 2014. Foram coletados carrapatos das duas áreas de foco, de capivaras, cães e do ambiente. Em Rosário do Sul foram coletadas também amostras de sangue dos cães da propriedade foco e vizinhança. Realizaram-se ainda, nas propriedades em que foram coletadas amostras, entrevistas que abrangiam perguntas sobre carrapatos e febre maculosa. Todos os carrapatos coletados foram processados individualmente para obtenção do DNA genômico. A pesquisa de Rickettsia spp. foi realizada por reação em cadeia da polimerase (PCR), utilizando primers específicos para fragmentos rickettsiais dos genes gltA, ompA e htrA. Nas amostras de soro canino foram pesquisados anticorpos contra Rickettsia spp. através da reação de imunofluorescência indireta (RIFI). Na investigação realizada no município de Rosário do Sul foram encontradas as seguintes espécies de carrapatos: 251 Amblyomma dubitatum em carcaças de capivaras e no ambiente; 60 larvas de Amblyomma spp. no ambiente; 62 adultos de Amblyomma tigrinum, dois Amblyomma aureolatum e quatro Rhipicephalus sanguineus nos cães da propriedade foco e vizinhança. Amostras de 24 A. tigrinum (38%) e uma de Rh. sanguineus foram positivas em todas as análises de PCR para Rickettsia spp. (gltA, ompA e htrA). No município de Toropi foram coletados 18 A. dubitatum de carcaças de capivaras, dos quais quatro foram positivos para presença de DNA de Rickettsia spp. Também foram testados 210 A. dubitatum obtidos de capivaras mortas em rodovias de outras localidades do bioma Pampa, nenhum deles foi positivo. Todas as amostras positivas (Rosário do Sul e Toropi) mostraram 100% de identidade com sequências de Rickettsia parkeri cepa Portsmouth. Na sorologia dos cães, todas as amostras (100%) continham anticorpos que reagiram pelo menos para uma espécie de Rickettsia, com títulos variando de 128 a 16384. Foi possível determinar R. parkeri como provável agente responsável pela infecção natural em 12 amostras (66,66%). Nas entrevistas observamos que o hábito de caça é frequente e os cães das propriedades são criados livres em contato com a mata, sendo observada alta taxa de parasitismo por carrapatos nesses animais. A abundância de carrapatos encontrados, o hábito da caça, e a criação dos animais de estimação livres em contato com a mata, atuando como hospedeiros-ponte, são fatores que oferecem risco de exposição à Rickettsia spp.. Cabe ressaltar que os dados clínicos de pacientes suspeitos não fornecem informações suficientes para determinar o agente e o vetor envolvidos, principalmente devido ao fato do diagnóstico oficial da febre maculosa se basear unicamente na sorologia do paciente para R. rickettsii. Nosso trabalho reforça a necessidade de que o diagnóstico molecular deveria ser adotado em todos os casos humanos em novas áreas, para determinação da espécie/cepa de Rickettsia spp. circulante em cada região. Considerando as espécies de Rickettsia e seus carrapatos vetores, este trabalho acrescenta um terceiro cenário eco-epidemiológico de febre maculosa para o país: (i) Rickettsia rickettsii associada a Amblyomma sculptum e A. aureolatum; (ii) Rickettsia sp. cepa Mata Atlântica associada a Amblyomma ovale; (iii) R. parkeri associada a A. tigrinum e A. dubitatum. Este trabalho evidencia que a vigilância permanente é necessária para preencher lacunas sobre agentes, reservatórios e vetores de febre maculosa. Em busca do aperfeiçoamento de políticas públicas de vigilância e educação em saúde, é essencial uma melhor compreensão da relação entre natureza, seres humanos e a ocorrência de doenças, particularmente dentro de cada contexto sócio-ambiental.