Os mamíferos aquáticos são sentinelas de patógenos zoonoticos, os quais podem
representar uma ameaça a sua conservação, aos humanos e aos animais
domésticos. O género Brucella é responsável pela brucelose, uma das zoonoses
mais comuns. Nos mamíferos aquáticos Brucella spp. foi descrita pela primeira vez
em 1994 e atualmente duas espécies são reconhecidas nesse grupo: B. ceti e B.
pinnipedialis. Nos cetáceos, Brucella spp. tem sido associada a infecção
assintomática, doença aguda ou crônica e diversos processos patológicos que
podem levar ao encalhe e/ou morte. Nos pinípedes, a patogenicidade de Brucella
spp. ainda não é clara. Dados sobre Brucella spp. em mamíferos aquáticos no
Oceano Atlântico Sul, particularmente no Brasil, são limitados com uma significativa
lacuna de conhecimento mesmo com a rica diversidade. Nesta pesquisa, investigouse
exposição a e/ou infecção por Brucella spp. com métodos sorológicos,
moleculares, histopatológicos, imunohistoquimicos e microbiológicos em amostras
de mamíferos aquáticos do Brasil armazenadas no banco de tecidos de mamíferos
marinhos, Departamento de Patologia, Faculdade de Medicina Veterinária e
Zootecnia, Universidade de São Paulo. Soro de 63 cetáceos [famílias Iniidae (n=37),
Delphinidae e Kogiidae (n=26)], 35 pinipedes (Elefante-marinho-do-sul, Mirounga
leonina) e 21 peixe-bois marinhos (Trichechus manatus) foi testado pelo Rosa de
Bengala, um kit comercial de ensaio imunossorvente ligado a enzima de competição
(c-ELISA) e a prova de soroaglutinação lenta em tubo (SAT; c-ELISA positivos
selecionados) para detecção de anticorpos anti-Brucella spp. Em adição, DNA de
amostras selecionadas de 124 cetáceos, 4 pinípedes e 1 peixe-boi marinho foram
analisadas pelo PCR convencional e/ou em tempo real (qPCR) tendo como alvo o
gênero Brucella spp. Realizou-se cultivo, histopatologia e imunohistoquimica (IHQ)
nas amostras dos indivíduos expostos ou infectados (positivos na sorologia e/ou
PCR convencional/qPCR; n=13). Anticorpos anti-Brucella spp. foram detectados em
3/35 (8.6%) dos M. leonina testados enquanto cetáceos das famílias Iniidae e
Kogiidae e os peixe-bois foram negativos. DNA de Brucella spp. foi detectado em
4/124 (3.2%) dos cetáceos analisados por PCR convencional/qPCR: um golfinhoclimene
(Stenella clymene) com brucelose aguda, positivo pela sorologia e IHQ; e
três indivíduos adicionais sem soro disponível: uma Franciscana (Pontoporia
blainvillei), assintomática, positiva pela qPCR e IHQ; um caso de brucelose crônica
em um golfinho-rotador (Stenella longirostris), apresentando osteoartrite
fibrinosupurativa atlantoccipital com formação de abcesso, positivo pela qPCR e
IHQ; um boto-cinza (Sotalia guianensis), positivo pela PCR convencional/qPCR e
IHQ e previamente diagnosticado com morbillivirus dos cetáceos. Apesar da PCR
negativa, lesões compatíveis com brucelose foram encontradas em um S. clymene e
uma orca-pigmeia (Feresa attenuata), ambos positivos pela sorologia e IHQ.
Exposição e/ou infecção por Brucella spp. foi confirmada pela sorologia e/ou IHQ
positiva em três baleia-piloto-de-aleta-curta (Globicephala macrorhynchus), dois
golfinhos cabeça de melão (Peponocephala electra), um golfinho nariz de garrafa
(Tursiops truncatus) e um S. clymene. A maior parte dos cetáceos expostos a/ou
infectados por Brucella spp. foram provenientes do estado de Ceará, nordeste do
Brasil. A cultura não foi bem-sucedida, prejudicando a classificação das cepas
envolvidas. Todos os pinípedes e peixe-bois testados foram negativos na PCR.
Triagem oportunistico para avaliar exposição a Leptospira spp. por meio do teste de
aglutinação microscópica nos soros testados para Brucella spp. foi negativo. Em
conclusão, confirmou-se exposição a Brucella spp., infecção assintomática,
brucelose aguda e crônica e coinfecção por Brucella spp. e outros agentes
patogênicos. Dentro de nosso conhecimento, esta pesquisa constitui o primeiro
trabalho de longo prazo sobre Brucella spp. em mamíferos aquáticos na América do
Sul, ampliando a sua faixa de hospedeiros e localização geográfica e contribuindo
na compreensão dos aspectos patológicos e epidemiológicos de sua infecção.
Pesquisas adicionais são necessárias para caracterizar as cepas envolvidas, avaliar
a sua relevância na saúde publica, bem como sua possível ocorrência e impactos
em outras espécies de mamíferos aquáticos no Brasil