Consumo de Cocaína no Brasil e sua Associação com Violência Interpessoal e
Comportamento Suicida – II Levantamento Nacional de Álcool e Drogas.
Abdalla, R.R. Tese de Doutorado - Universidade Federal de São Paulo – Escola
Paulista de Medicina.
Introdução: Esta tese analisa os dados descritivos e analíticos do consumo de
cocaína no Brasil e também suas associações com duas formas de violência: uma
voltada para o outro, denominada aqui de violência interpessoal, praticada na
comunidade, incluindo tanto a vitimização quanto a perpetração de comportamentos
violentos (excluindo dados de violência doméstica) e uma voltada para si próprio,
denominada de comportamento suicida, considerando a história pessoal de ideação
e tentativa de suicídio e antecedentes familiares de suicídio consumado. Os dados
são baseados no II Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (II LENAD).
Objetivos: Essa tese busca relacionar o consumo de substâncias, sobretudo de
cocaína, a comportamentos violentos, sejam eles auto direcionados, como no
suicídio, ou hetero direcionados, como na violência interpessoal, sendo o resultado
de três estudos com os dados do Segundo Levantamento Nacional de Álcool e
Drogas (LENAD II) que tiveram os seguintes objetivos: Estudo 1: Estimou as
prevalências de uso de cocaína e crack e analisou a associação a características
sociodemográficas. Estudo 2: Investigou a associação entre uso de cocaína e
violência urbana, tendo o consumo de álcool e a presença de sintomas depressivos
como possíveis mediadores. Estudo 3: Investigou a associação entre uso de
substâncias (álcool, maconha e cocaína) a ideação e tentativa de suicídio.
Método: Estudo transversal através de levantamento domiciliar e representativo da
população brasileira que coletou informações sobre consumo de todas as
substâncias psicotrópicas bem como possíveis fatores associados como depressão,
dependência, comportamentos violentos e comportamentos suicidas. Os 3 estudos
utilizaram diferentes recortes da amostra original de 4507 participantes. Análises
multivariadas utilizando diferentes modelos ponderados de regressão foram
escolhidos para calcular a razão de odds (odds ratio- OR) ajustados para as
associações nos 3 estudos. Modelo de caminhos causais foi usado para investigar
possíveis mediadores no estudo 2.
xviii
Resultados: Estudo 1: No ano anterior a pesquisa, o consumo de cocaína foi de
2,2% na população total. A prevalência de uso na vida e no último ano de cocaína
aspirada foi de 3,9% e 1,7%, respectivamente e o consumo de cocaína fumada no
Brasil foi estimado em 1,5% para experimentação e 0,8% no último ano. A
dependência em cocaína foi identificada em quase 16% entre os que
experimentaram e em 41,4% entre os que haviam usado nos 12 meses anteriores.
Estudo 2: Cerca de 8,6% da população brasileira foi vítima de pelo menos uma
forma de violência interpessoal no ano anterior a pesquisa. Essa proporção aumenta
para 19,7% entre usuários de cocaína e para 18,1% entre indivíduos com
transtornos de uso de álcool (AUD). A perpetração da violência foi relatada em 6,1%
da amostra. O uso de cocaína e AUD aumentaram em quase quatro vezes as
chances de ser agressor. Ser religioso e casado foram fatores protetores tanto em
relação a vitimização quanto a perpetração. As análises de caminhos causais que
consideraram o uso de cocaína como preditor de violência urbana (vitimização ou
perpetração) foram válidas e o consumo de álcool e sintomas depressivos foram
mediadores dessa relação. Estudo 3: Ideação Suicida (SI) e Tentativas de Suicídio
(SA) foram relatadas por 9,9% e 5,4% da amostra, respectivamente. Esta
prevalência foi de 20,8% e 12,4% entre usuários problemáticos de álcool, 31,5% e
16,5% entre usuários de maconha e 40,0% e 20,8% entre usuários de cocaína.
Depois de ajustar para características demográficas, religião, uso do tabaco, história
familiar de suicídio e transtorno depressivo, SI e SA foram associados positivamente
com o uso de álcool, de maconha e de cocaína.
Conclusão: O Brasil apresenta taxas relevantes de consumo de cocaína, incluindo
a forma fumada. A dependência de cocaína atinge aproximadamente 15% dos
indivíduos que experimentaram essa substância. Apesar de não estabelecer
causalidade, a associação entre o consumo de substâncias e violência, seja
interpessoal ou autodirigida, está comprovada. A depressão é uma variável
frequentemente observada em todos os casos, presumindo-se que a relação entre o
consumo de substâncias, comportamentos violentos e depressão constituem uma
relação recíproca e multidirecional .