Da constatação de perversas regularidades no modo de punir no Brasil, principalmente da homogeneidade de nossa população prisional e de seu exponencial crescimento na última década, bem como, em nível global, da adoção da prisão como punição determinada por lei nas mais diversas sociedades, buscou-se primeiro em Georg Rusche e Otto Kirchheimer e depois em Michel Foucault uma genealogia do moderno poder punitivo. Assim, ao apreender a influência que as formas mercantis exerceram sobre as formas jurídicas no início do estabelecimento do modo de produção capitalista, a pesquisa voltou-se às análises de Karl Marx e Evgeny Bronislavovich Pachukanis para compreender em profundidade esta ascendência. Foi então que a análise marxista, e especialmente do método materialista histórico dialético, tornou-se a base das análises empreendidas. Partindo do concreto real, destacam-se alguns aspectos da realidade que foram julgados fundamentais para a compreensão do poder punitivo e de sua estrutura, modo de funcionamento, funções etc., tanto em sua generalidade como em sua especificidade brasileira, para, com base em análises críticas de cunho sociológico e criminológico, reconstituir teoricamente a complexidade de seu funcionamento. Todo este empreendimento intelectual – o concreto pensado – se deu para conjecturar a medida da possibilidade de uma sociedade sem prisões. Com o transcurso da pesquisa, conforme foram sendo compreendidas questões como a precedência da forma sobre o conteúdo do Direito, os embates políticos travados nos centros de poder de Estados capitalistas, a tensão entre determinismo e revolução, foi possível apresentar, no último capítulo, alguns elementos para pensar a superação do poder punitivo e de seus rastros de violência. Sendo a atual crise penitenciária brasileira resultado de escolhas políticas, ativas ou omissivas, que substituem políticas públicas de caráter social e inclusivas – como as de saúde, moradia e educação – por políticas públicas de caráter egoísta e exclusivas – como as de cunho criminal afeitas ao lema “tiro, porrada e sangue” e de expansão do sistema penitenciário, pela iniciativa estatal ou privada –, torna-se urgente comprometer-se à sério com preceitos de direitos humanos que assumam os profundos embates de classe e de raça que carcomem a sociedade brasileira e fazem da prisão um mecanismo de gestão da miséria.