O Brasil tem investido no aproveitamento integral da cana-de-açúcar, visto que esta é
abundante e de baixo custo no país. Este trabalho avaliou o uso de misturas de bagaço e palha
de cana-de-açúcar para a recuperação de açúcares, visando à produção de etanol. Bagaço,
palha ou misturas de ambos foram pré-tratados com H2SO4 2,9% (m/v), relação sólido:líquido
1:4 (m/v), durante 30 minutos a 130°C. O material foi também submetido a pré-tratamento
hidrotérmico a 195ºC por 10 minutos. Todas as amostras foram submetidas a caracterização
química e estrutural por microscopia eletrônica de varredura (MEV) e por difração de raios X
(DRX). As amostras foram hidrolisadas com enzimas comerciais, em meios reacionais com
50 g L-1 de biomassa, atividade enzimática de celulase de 10 FPU g-1 de biomassa e de β-
glicosidase de 30 UI mL-1. Ensaios de hidrólise enzimática de bagaço pré-tratado por
tratamento hidrotérmico, foram também conduzidos em um biorreator de 1 L para investigar a
influência do aumento da carga de sólidos sobre a hidrólise, usando um modelo de impelidor
adaptado. O pré-tratamento ácido solubilizou em torno de 90% da hemicelulose de todos os
materiais. Permitiu também a solubilização de 13,9% a 26,0% de lignina à medida que o teor
de palha nas amostras aumentou. As frações líquidas obtidas apresentaram em média 58,4 g
L-1 de xilose. As imagens obtidas por MEV permitiram verificar qualitativamente que o prétratamento
promoveu a desestruturação dos materiais, tornando-os mais suscetíveis à
degradação enzimática. O índice de cristalinidade (IC) dos materiais não tratados foi
equivalente e o pré-tratamento não alterou significativamente este parâmetro. A hidrólise
enzimática do bagaço e da palha pré-tratados com ácido resultou em conversão de celulose
em glicose de 63,2% e 77,0%, muito superiores aos observados para as amostras não tratadas,
de 3,7% e 18,7%, respectivamente. Estes resultados indicaram que a palha, mesmo não
tratada é menos recalcitrante à hidrólise enzimática do que o bagaço. Com relação às
misturas, houve um aumento no rendimento em glicose proporcional ao aumento do teor de
palha na mistura, confirmando a maior suscetibilidade da palha à hidrólise. Não houve uma
relação direta entre o IC dos materiais e a digestibilidade enzimática, visto que a palha apresentou maior rendimento de hidrólise enzimática mesmo tendo IC igual ao do bagaço.
Com relação ao pré-tratamento hidrotérmico, a solubilização de hemicelulose foi de 83,7%
para bagaço, de 93,3% para palha e um valor intermediário, de 88,5%, para a mistura. A
corrente líquida resultante deste pré-tratamento apresentou predominantemente xilooligossacarídeos.
Com relação à hidrólise enzimática, novamente a palha sofreu maior
degradação que o bagaço, seja na condição não tratada (22,0 % e 4,0% para palha e bagaço,
respectivamente) ou pré-tratada (90,5% e 65,4% para palha e bagaço, respectivamente). A
mistura de bagaço e palha apresentou um resultado de hidrólise intermediário. Com relação ao
aumento da carga de sólidos na hidrólise enzimática conduzida em um biorreator de 1 L, o
uso de 100 g L-1, 150 g L-1 e 200 g L-1 de bagaço pré-tratado resultou em hidrolisados com
concentrações de glicose e rendimentos de hidrólise de 28,6 g L-1 (45,4%) , 56,5 g L-1 (59,7%)
e 66,6 g L-1 (52,8%), respectivamente. O modelo de impelidor empregado no reator permitiu a
obtenção de rendimentos de hidrólise equivalentes àqueles observados com baixa carga de
sólidos, sendo também observado aumento da produtividade do processo. A mistura de
bagaço e palha de cana-de-açúcar mostrou-se uma alternativa viável para aumentar a oferta de
etanol lignocelulósico, pois não foi observado nenhum efeito negativo sobre o processamento
das misturas.