Introdução: Há um declínio no nível de atividade física (AF) com o avançar da idade, apesar dos benefícios da AF já serem amplamente reconhecidos. A inatividade física está associada com uma série de doenças crônicas não transmissíveis e algumas síndromes geriátricas, dentre estas as quedas em pessoas idosas. Embora, existam evidências robustas que o exercício físico estruturado reduz a taxa de quedas, a relação entre nível de AF e o risco de quedas é incerto e controverso. Alguns estudos apontam que altos níveis de AF teriam um efeito protetor sobre o risco de cair, enquanto outros sugerem que idosos com alto nível de AF teriam maior risco de cair, especialmente aqueles que fazem atividades de intensidade vigorosa. A recomendação da atividade física é uma intervenção importante para saúde de pessoas idosas, no entanto não existem evidências suficientes que possam ajudar os profissionais de saúde, particularmente os fisioterapeutas a nortear suas recomendações sobre a atividade física geral e o risco de cair nessa população. Foram desenvolvidos dois estudos que compõe essa tese para preencher parte desta lacuna no conhecimento científico. Objetivos: O primeiro estudo (Capítulo 2) teve como objetivo realizar uma revisão sistemática e meta-análise sobre o impacto do nível de atividade física como fator de risco para quedas em pessoas idosas. O segundo estudo (Capítulo 3) teve como objetivo analisar a associação entre o nível de atividade física, mensurado por meio da acelerometria e o risco fisiológico de cair avaliado pelo Physiological Profile Approach to Falls Risk Assessment and Prevention – PPA. Métodos: Uma revisão sistemática da literatura com meta-análise foi conduzida para investigar a relação entre o nível de AF e o risco de quedas em idosos que vivem na comunidade e responder ao objetivo do primeiro estudo. Nesta revisão foram incluídos apenas estudos de coorte que avaliaram o nível de AF (exposição) por questionários válidos ou por meio de sensores de movimento e que monitoraram os eventos de queda ou proporção de participantes caidores por meio de diários de quedas, telefonemas ou questionários, de forma prospectiva. A qualidade metodológica dos estudos foi avaliada por meio da Newcastle-Ottawa Scale (NOS), composta por oito itens em um sistema de estrelas. O escore final varia de zero a nove, e os estudos com sete ou mais estrelas foram considerados de alta qualidade. Quatro estudos foram incluídos, totalizando 11.282 participantes e destes dois foram considerados de alta qualidade metodológica. Para avaliação do nível de AF dois estudos usaram questionários (PASE – Physical Activity for the Elderly e LASA – Longitudinal Aging Amesterdam Physical Activity Questionnaire) e dois usaram acelerômetros (uni e biaxiais). Dois estudos monitoraram as quedas por meio de diários de quedas preenchidos semanalmente e dois estudos usaram questionários coletados a cada 4 meses. Para a meta-análise os autores dos quatro estudos foram contatados e enviaram planilhas de dados com número de idosos que caíram (caidores) em cada categoria do nível de AF. Para conduzir a meta-analise que apontou o Risco Relativo (RR) de cair foram incluídos 7927 participantes dos quatros estudos e para a meta-análise que apontou o RR de cair recorrentemente foram incluídos 2420 participantes de dois estudos. Foram usados as informações sobe os eventos (caidores e caidores recorrentes) nas categorias de nível alto de AF (highest PA level) e de nível baixo de AF (lowest PA level) de cada um dos estudos, mantendo-se três categorias para todos os estudos analisados. O RR (95% IC) foi calculado para cada um dos estudos e plotados em um gráfico do tipo forest plot, utilizando-se um modelo de feitos aleatórios. A heterogeneidade entre os estudos foi avaliada usando o teste do χ2 baseado no Cochran’s Q test e na estatística I2 (p<0.10). Consideramos baixo, moderado e alto grau de heterogeneidade valores de I2 de 25%, 50% e 75%, respectivamente. Nossos resultados apontaram que o risco de cair agrupado em relação ao nível de AF foi de RR= 1,05 [95% IC; 0.93 – 1.18], não permitindo determinar uma associação entre quedas e AF. O risco agrupado de cair recorrentemente foi de RR= 1,39 [95% IC; 1,17 – 1,65], indicando que o risco de ser um caidor recorrentemente foi 39% maior para aqueles que tinham baixo nível de AF. Não observamos heterogeneidade entre os estudos (p=0,430, I2=0%). Concluindo, esta revisão sistemática com meta-analise indica que em idosos que vivem na comunidade há maior risco de cair recorrentemente quando se está exposto a um menor nível de AF. Para o risco de cair os resultados são inconclusivos. O objetivo do segundo estudo foi alcançado por meio de um delineamento transversal e exploratório, com 103 homens e mulheres, de 60 anos ou mais que viviam na comunidade (71.2±6.2 anos, 76,7% de mulheres) que estavam engajados em atividades físicas planejadas. Os participantes foram captados no ‘Parque da Marturidade’ em Barueri, São Paulo e nos ‘Centros Integrados de Saúde e Educação (CISEs)’ em São Caetano do Sul. A AF foi avaliada por meio de acelerometria, utilizando-se o dispositivo Actigraph GT3X+ ao nível da cicatriz umbilical por 10 dias consecutivos. Os participantes foram orientados a retirar o dispositivo apenas para tomar banho e em atividades aquáticas. Os dados foram analisados usando o software ActiLife® versão 6.0. As variáveis analisadas foram média de counts por minuto/dia, média de passos/dia, porcentagem do tempo em atividades sedentárias, leve moderada, vigorosa, muito vigorosa e em MVPA (moderate to vigorous PA). O risco fisiológico de cair foi avaliado usando o Physiological Profile Approach to Falls Risk Assessment and Prevention – PPA que é composto por oito testes: três testes de visão, (um de percepção de profundidade, dois de sensibilidade ao contraste visual), sensibilidade periférica (táctil e proprioceptiva), força de membros inferiores (flexão e extensão de joelho e dorsiflexão de tornozelo), tempo de reação em mão e pé e oscilação corporal por meio da estabilometria, de olhos abertos e fechados em superfície fixa e em espuma, coordenação do deslocamento do CG dentro da base de suporte e limite de estabilidade ântero-posterior. O desempenho dos participantes no teste foram comparados com uma base de dados normativa de acordo com gênero e idade, gerando o risco fisiológico de cair. Foram considerados participantes com alto risco fisiológico para cair aqueles com risco ≥1,0. Foram coletados dados sóciodemográficos, de saúde física e mental por meio de Functional Comorbidity Index, Escala de Depressão Geriátrica (Geriatric Depresssion scale – 15-items), Inventário de Ansiedade Geriátrica (Geriatric Anxiety Inventory), Escala de autoeficácia para quedas (Falls Eficacy Scale International – FES-I Brasil), número de medicamentos usados regularmente e história de quedas nos últimos 12 meses. Para avaliação da funcionalidade de membros inferiores foi usado o Short Physical Performance Battery - SPPB e para caracterização da função cognitiva foi usado o Montreal Cognitive Assessment. As atividades físicas que os idosos realizavam nos centros foram levantadas (natação, hidroginástica, musculação, ginástica, voleibol e basquetebol) e foram categorizadas de forma dicotômica. As médias das variáveis de AF em relação ao risco fisiológico de cair foram comparadas usando o test t e teste de Mann Whitney, de acordo com a aderência à distribuição normal. A comparação dos grupos de participantes quanto ao risco fisiológico de cair e as variáveis categóricas foi feita por meio de tabelas de contingência e foram usados os testes de Qui-quadrado ou Exato de Fisher. Três modelos de análise de regressão stepwise, do tipo logit foram gerados para verificar a associação entre o risco fisiológico de cair (≥ 1,0) e o tempo em atividade vigorosa, ajustando-se por covariáveis: idade, gênero feminino, SPPB, número de comorbidades, numero de medicações, sintomas depressivos, sintomas de ansiedade, percepção do risco de cair mensurado pela FES-I, e participação em atividades de voleibol, basquetebol, natação, hidroginástica e musculação. O ajuste aos modelos foi avaliado pelo teste de Hosmer and Lemeshow. Foram apresentadas as chances (odds ratio) e respectivos intervalos de confiança a 95% de pertencer ao grupo de alto risco fisiológico de cair. Receiving Operators Curves (ROC) e as áreas sob a curva (AUCs) com seus respectivos intervalos de confiança a 95% foram geradas para os modelos 2 e 3 para identificar a capacidade de identificar o desfecho (risco fisiológico de cair). O tempo em atividade vigorosa foi transformado usando-se a transformação da raiz quadrada da variável. Todas as análises foram feitas assumindo um p< 0,05 e foram conduzidas usando o programa SPSS versão 13.0. Os nossos resultados apontaram que os participantes com alto risco fisiológico de cair apresentaram menor porcentagem de tempo em atividades vigorosas (0,04; 95% IC 0,01-0,07) do que os idosos com baixo risco fisiológico para cair (0,17; 95% IC 0,03-0,30) (p=0,011). Participantes mais velhos (75 anos e mais) tiveram cerca de 4 vezes a chance de pertencer ao grupo de alto risco fisiológico para quedas quando comparados aos de 60 a 69 anos (odds ratio = 4,08 95% IC 1,18-14,13; p= 0,017) e aqueles que treinavam voleibol estavam protegidos para o alto risco fisiológico de cair quando comparados aos que não treinavam (odds ratio= 0,19 95% IC 0,07-0,52; p=0,001), após ajustar para covariáveis (Hosmer and Lemeshow test p= 0,653) (AUC= 0,78 (95% CI 0,68 – 0,87; p<0,001). Embora, o Modelo 2 tenha mostrado uma associação entre o tempo gasto em atividades vigorosas e o risco fisiológico de cair, essa associação não permaneceu significativa com a inclusão da variável gênero feminino e demais covariáveis. Mas, é curioso que a maior parte dos participantes que treinavam voleibol, que é uma atividade de intensidade vigorosa (> 6.0 METs) estavam no grupo de baixo risco fisiológico para cair. Uma possível explicação pela qual praticar voleibol tenha permanecido no modelo final, mas a porcentagem gasta em AF vigorosas não reside no fato de que nesta modalidade sejam desenvolvidas habilidades psicomotoras que possam ter influenciado o risco de cair, para além apenas do gasto energético ou intensidade da atividade. Conclusão: Nossos resultados apontam que em idosos que vivem na comunidade o risco de cair recorrentemente é cerca de 40% maior entre aqueles idosos com baixo nível de AF e que realizar atividades vigorosas, particularmente está associado a um menor risco fisiológico para cair, comprovando o efeito benéfico da AF em relação as quedas nessa população. É preciso conduzir mais estudos de coorte para esclarecer a relação entre quedas (cair vs não cair) e o nível de AF, com amostras robustas que permitam análises de subgrupo. Além disso os estudos deveriam ser conduzidos utilizando-se medidas objetivas de AF, por exemplo sensores de movimento que permitissem estabelecer uma análise de dose–resposta para estimar o risco de cair para cada unidade de medida de AF.