Esta pesquisa da área de História é um estudo sobre identidades, relações de alteridade e
questionamentos sobre o conceito de diferença. No centro disso, duas figuras que, na verdade,
são a mesma. A fonte é o relato de viagem Personal Narrative of a Pilgrimage to Al-Madinah
and Meccah (1855-6), do explorador britânico Richard Francis Burton (1821-1890) que, ao
empregar o disfarce do muçulmano Shaykh Abdullah – figura que também aparece em outros
livros de Burton –, conseguiu realizar a peregrinação a Meca, o hajj, ritual sagrado do islã
proibido a não muçulmanos. Trata-se, portanto, de um estudo sobre a representação do
“outro” muçulmano, ou melhor, da representação de si mesmo como “outro”. Pois
argumentamos que há no relato uma tensão entre dois narradores: o Burton-narrador, uma vez
que o livro é narrado em primeira pessoa, e Abdullah, que, em geral, se manifesta na terceira
pessoa; mesmo assim, em alguns momentos as duas pessoas se confundem numa mesma
sentença. Assim, Abdullah assume uma presença conflituosa na narrativa, trazendo
questionamentos sobre quem é o verdadeiro protagonista da obra e procurando refletir sobre a
natureza da sua relação com Burton, extrapolando as páginas do relato. Da mesma forma,
procuramos analisar como Abdullah era percebido por outros personagens, tanto muçulmanos
quanto não muçulmanos, uma vez que ele vai passando por mudanças ao longo da narrativa,
já que a natureza da identidade não é fixa e estanque.