A homeostase tecidual é controlada por uma série de mecanismos de comunicação. Ao
nível intercelular, as junções gap permitem o tráfego de mensageiros pequenos e
hidrofílicos, menores do que 1.5 kilodalton, entre duas células adjacentes. As junções
gap são formadas por dois hemicanais, que por sua vez são compostos por seis proteínas
denominadas conexinas (Cx). No fígado, os hepatócitos produzem principalmente Cx32,
enquanto as células hepáticas não parenquimatosas contem predominantemente Cx43.
As junções gap hepáticas são conhecidas por serem essenciais em diversas funções
específicas do fígado, tais como secreção de albumina e metabolismo de xenobióticos. Na
última década, tem-se tornado claro que os hemicanais de conexinas não são apenas
precursores das junções gap, mas eles também podem participar da via de comunicação,
contudo entre o citoplasma de células individuais e seus ambientes extracelulares. Além
disso, foi descrita uma nova classe de proteínas semelhantes às conexinas, as panexinas
(Panx), das quais a Panx1 é expressa no fígado. As pannexins se reúnem em uma
configuração que lembra os hemicanais de conexinas e também participam da sinalização
extracelular. Acredita-se que tanto os hemicanais de conexinas como os canais de
pannexinas se tornam ativados preferencialmente em condições patológicas e, deste
modo, promovam a morte celular e inflamação. O presente projeto de doutorado foi
estabelecido para verificar se esta hipótese também é verdadeira nas doenças hepáticas,
em particular na insuficiência hepática aguda. Inicialmente, o padrão de expressão das
conexinas hepáticas foi totalmente caracterizado em um modelo murino de insuficiência
hepática aguda induzida pelo paracetamol (APAP). Isto revelou uma mudança da Cx32
para Cx43 após a hepatotoxicidade induzida por APAP, com expressão de novo de Cx43
nos hepatócitos. Subsequentemente, a relevância funcional da expressão aumentada de
Cx43 na insuficiência hepática aguda foi testada utilizando camundongos deficientes em
Cx43. Verificou-se que a Cx43 tem um efeito protetor, uma vez que a lesão hepática
induzida por APAP se agravou após a ablação genética da Cx43. Em paralelo, foi
realizado um estudo semelhante utilizando camundongos knockout para Cx32, não
mostrando diferenças significativas na extensão da hepatotoxicidade induzida pelo APAP
em comparação aos animais selvagens. Uma vez que os animais deficientes em conexina
não permitem diferenciar entre a comunicação via junções gap e a sinalização pelos
hemicanais de conexina, uma série de experimentos seguintes baseou-se na utilização de
inibidores dos hemicanais de Cx32 e Cx43, chamados de TAT-Gap24 e TAT-Gap19,
respectivamente. Após os testes in vitro quanto a sua especificidade e eficiência in vitro,
ambos os peptídeos foram administrados em camundongos com overdose pelo APAP.
Enquanto TAT-Gap24 reduziu claramente a morte celular e inflamação, TAT-Gap19
apresentou apenas efeitos discretos sobre a lesão hepática. Além disso, o co-tratamento
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de camundongos intoxicados pelo APAP com ambos os peptídeos revelou um efeito
aditivo na redução da lesão hepática. Um estudo final foi focado na elucidação da
expressão hepática e função da Panx1 na hepatotoxicidade induzida pelo APAP, utilizando
o peptídeo inibidor da Panx1, 10Panx1. Verificou-se que a inibição dos canais de Panx1
minimiza as características clínicas da hepatotoxicidade desencadeada pelo APAP, em
particular a relacionada com morte celular e inflamação. Em geral, este projeto de
doutorado demonstra, pela primeira vez, o envolvimento dos hemicanais de conexina e
canais de pannexina na insuficiência hepática aguda induzida pelo APAP, o que sugere
um papel como alvos terapêuticos para fármacos.