A capacidade de sentir dor é fundamental para manutenção da vida, sem ela o trauma tecidual não seria detectado, ou mesmo evitado, podendo ocasionar lesões teciduais e nervosas importantes. A descoberta de novos mecanismos analgésicos é objetivo de várias pesquisas, como por exemplo, as pesquisas relacionadas à ketamina, um fármaco descoberto na década de 60 e utilizado originalmente como anestésico geral dissociativo que passou recentemente a ser utilizada também como analgésico em dores crônicas.
O presente estudo avaliou o envolvimento dos endocanabinóides no efeito antinociceptivo periférico, espinhal e supraespinhal, induzido pela ketamina frente à hiperalgesia evocada pela prostaglandina E2 (PGE2) 2 µg/pata. A atividade antinociceptiva foi avaliada através do teste algesimétrico mecânico de retirada da pata do rato submetida à compressão. A ketamina causou um efeito antinociceptivo dose-dependente nas vias periférica (10, 20, 40 e 80 µg), intratecal (20, 40 e 80 µg) e intracerebroventricular (1, 2, 4 e 8 µg), com pico de ação de cinco minutos. Medidas feitas na pata contralateral revelaram que na dose de 80 µg/pata, a ketamina não altera o limiar nociceptivo da pata não tratada nos experimentos na periferia.
A utilização do antagonista do receptor CB1 (AM251) reverteu o efeito antinociceptivo dose-dependente da ketamina nas três vias, periférica (20, 40 e 80 µg), espinhal (20, 40 e 80 µg) e supraespinhal (1, 2 e 4 µg). Entretanto o antagonista de receptor CB2 (AM630) reverteu o efeito antinociceptivo somente pela via supraespinhal de maneira dose-dependente (1, 2 e 4 µg), demonstrando o envolvimento de receptores CB1 na periferia, na via espinhal e na via supraespinhal e nesta última via, também se observou o envolvimento do receptor canabinóide do tipo CB2.
O inibidor da enzima (amida hidrolase de ácido graxo), FAAH, (MAFP) (2, 4 e 0,2 µg) e o inibidor da recaptação de anandamida (VDM11) (20, 20 e 4 µg) para as seguintes vias periférica, intratecal e intracerebroventricular respectivamente, responderam sinergicamente junto à ketamina na sua dose intermediária (20, 40 e 2 µg) na antinocicepção para as respectivas vias.
O inibidor da enzima (monoacilglicerol lipase), MGL (JZL184) foi utilizado somente na via espinhal (14 µg) e supraespinhal (7 µg) e foi capaz de intensificar o efeito antinociceptivo da ketamina (40 e 2 µg), respectivamente.
Além dos experimentos comportamentais, foi também estudada a presença dos endocanabinóides anandamida (AEA), 2-araquidonoil glicerol (2-AG), palmitoiletanolamida (PEA) e o oleiletanolamida (OEA), na pata dos ratos após tratamento com ketamina, através da técnica de cromatografia gasosa e espectrometria de massa. Foi encontrado um aumento de AEA em patas tratadas com PGE2 + ketamina, mas não dos outros endocanabinóides.
O efeito antinociceptivo periférico, espinhal e supraespinhal da ketamina possivelmente está relacionado com mecanismos antinociceptivos alternativos que não envolvam o receptor NMDA. Ela poderia mobilizar o sistema canabinóide nas diferentes vias estudadas através das hipóteses: Ligação direta em receptores canabinóides; Liberação direta de endocanabinóides ou mesmo a liberação de peptídeos opióides endógenos que por sua vez, induzem a liberação de endocanabinóides; e finalmente por mecanismos que envolvam a ativação do complexo receptor opióide-canabinóide.
Sendo assim, nosso estudo verificou a participação do sistema canabinóide no evento da antinocicepção periférica, intratecal e intracerebroventricular da ketamina.