RESUMO GERAL
INTRODUÇÃO – Os herbicidas sintéticos, que atuam com diferentes mecanismos de ação, têm sido amplamente utilizados no controle de diversas espécies de plantas daninhas. Apesar do sucesso desses produtos no controle efetivo das plantas daninhas, a utilização maciça e continuada, tem favorecido a prevalência de biótipos resistentes a determinados mecanismos de ação, o que tem exigido o uso de quantidades maiores de herbicidas e a associação de mais de uma classe de ingredientes ativos. Métodos alternativos de controle das plantas daninhas têm sido pesquisados, dentre eles o uso de espécies de culturas de cobertura que dificultam os seus estabelecimentos no campo por meio da liberação de compostos naturais (aleloquímicos) a partir de suas palhadas. A identificação de uma espécie de cobertura com potencial de inibição sobre as plantas daninhas pode contribuir não somente para a sua indicação em sistemas de plantio direto em áreas infestadas, mas também pode revelar novos compostos ativos com potencial herbicida ou regulador de crescimento. Dentre as espécies de cobertura que têm sido utilizadas mais recentemente no Brasil destacam-se o Crambe (Crambe abyssinica) e a Crotalária (Crotalaria spectabilis). Essas espécies não foram estudadas, até o momento, quanto ao potencial de controle das plantas daninhas por meio de aleloquímicos.
OBJETIVOS – O objetivo deste trabalho foi o de investigar se as palhadas de Crambe e Crotalaria contêm compostos que exerçam atividades biológicas sobre as plantas daninhas daninhas Amaranthus hybridus, Urochloa decumbens, Digitaria horizontalis, Ipomoea grandifolia, Bidens pilosa e Euphorbia heterophylla e que possam ser explorados como agentes herbicidas ou reguladores de crescimento. Os compostos testados foram extraídos e separados de acordo com a solubilidade em água ou em solventes orgânicos. Os efeitos de cada fração foram avaliados sobre a germinação e o desenvolvimento inicial das plântulas. As plantas daninhas mais sensíveis, A. hybridus e U. decumbens, foram submetidas a avaliação de suas funções metabólicas, como a atividade respiratória e a atividade das enzimas -amilase e malato-desidrogenase. O possível papel de açúcares livres e do ácido -aminobutírico (GABA) nos efeitos evidenciados sobre as plantas daninhas foi também investigado.
MÉTODOS – As palhadas de Crambe e Crotalária foram extraídas por trituração exaustiva usando água (extratos aquosos) ou metanol, a frio. O extrato metanólico bruto (extrato bruto) foi em seguida submetido à partição com solventes de diferentes polaridades obtendo-se as frações: hexânica (Hex), diclorometano (D) e acetato de etila (A). Após evaporação dos solventes, cada fração foi dissolvida para atingir a concentração final nos tratamentos de 500 μg mL-1. O extrato aquoso de Crambe (CR) e de Crotalária (CT) foi liofilizado e para os testes foi dissolvido nas concentrações de 100 μg mL-1, 250 μg mL-1, 500 μg mL-1 e 1000 μg mL-1. As sementes das plantas daninhas A. hybridus, U. decumbens, D. horizontalis, I. grandifolia, B. pilosa e E. heterophylla foram submetidas à desinfecção e quebra de dormência, quando necessário. Cinquenta sementes foram dispostas em caixas gerbox, contendo 2 folhas de papel germitest, e volumes variáveis na dependência do tipo de semente de água (controle) ou das soluções dos extratos aquosos e/ou das frações das palhadas a serem testadas. Em outra série experimental, as plantas A. hybridus e U. decumbens foram tratadas com sorbitol 1,0 g%, glicose nas concentrações de 0,1, 0,5 e 1,0 g% e ácido -aminobutírico, na faixa de concentração de 1,0 a 50 mM. Após a semeadura, as sementes foram encubadas em uma câmara de germinação com fotoperíodo e tempos de tratamento específicos para cada planta daninha. No final do tratamento foram avaliados o crescimento total das plântulas e o comprimento das raízes e dos caules primários. As raízes e os caules foram pesados em balança analítica, para obtenção do peso de matéria fresca e, em seguida, foram levados para estufa com temperatura de 80 ºC, por 48 horas, para determinação do peso de matéria seca. Foram quantificadas a taxa respiratória dos ápices radiculares e a atividade da α-amilase dos extratos de raízes primárias de A. hybridus e U. decumbens, tratadas com o extrato aquoso de CT, através da medida polarográfica, à 25 ºC, e da liberação de unidades de maltose, a 546 nm, utilizando amido solúvel como substrato. A atividade da malato desidrogenase de raízes de U. decumbens foi avaliada seguindo a oxidação de NADH pelo oxaloacetato, a 340 nm. A presença de açúcares livres nos extratos aquosos de CR e CT foi avaliada por cromatografia em camada delgada.
RESULTADOS E DISCUSSÃO – Os extratos aquosos de CR e de CT, avaliados na concentração de 500 μg mL-1, não alteraram a germinação das plantas daninhas testadas, mas exerceram um efeito estimulador sobre o crescimento das plântulas. O extrato aquoso de CT exerceu efeitos mais pronunciados em D. horizontalis e U. decumbens, e o extrato aquoso de CR foi mais ativo em A. hybridus, D. horizontalis e U. decumbens. As outras espécies foram menos sensíveis a ambas as palhadas. Para estudos mais detalhados foram selecionadas, dentre as espécies mais sensíveis, uma monocotiledônea, a U. decumbens e uma dicotiledônea, a A. hybridus. As curvas dose-respostas realizadas na faixa de concentração de 100 a 1000 μg mL-1 revelaram que o extrato aquoso de CR exerce efeito estimulador mais potente que o extrato de CT sobre o desenvolvimento inicial das plantas daninhas. A A. hybridus foi relativamente mais sensível do que a U. decumbens a ambos os extratos (CR e CT). Além disso, houve em U. decumbens um efeito antagônico de inibição na maior concentração, de 1000 μg mL-1. Os compostos isolados da palhada de Crotalária por extração e particionamento com solventes orgânicos induziram feitos inibitórios sobre as duas plantas daninhas. Os compostos extraídos com o diclorometano (D) e hexano (Hex) foram os que causaram uma inibição mais acentuada nos parâmetros avaliados em ambas as plantas testadas. A U. decumbens foi mais sensível quando comparada com a A. hybridus nos parâmetros relacionados ao crescimento da plântulas, mas a A. hybridus foi mais sensível em relação à germinação das sementes. É possível que as pirrolizidinas, já identificadas em espécies de Crotalária, estejam envolvidas nos efeitos inibidores das frações D e Hex, já que são compostos lipofílicos. A respiração total dos ápices das raízes primárias de A. hybridus e U. decumbens, bem como a respiração KCN-insensível e KCN-sensível, não foram alteradas significativamente pelo tratamento com o extrato aquoso de CT 1000 μg mL-1, embora uma tendência de estímulo tenha sido evidenciada. Esses resultados indicam que o efeito estimulador dos compostos ativos existentes no extrato aquoso de CT não parece ser devido a uma ação direta sobre o metabolismo energético mitocondrial. A atividade da α-amilase de raízes de A. hybridus foi estimulada pelo extrato de CT, mas em U. decumbens não houve efeito significativo. O extrato de CR não modificou a atividade da enzima. A atividade da malato desidrogenase das raízes primárias de U. decumbens foi estimulada pelo extrato aquoso de CT 1000 μg mL-1, mas não pelo extrato de CR. O fato da respiração mitocondrial não ter sido modificada substancialmente pelo extrato de CT associado ao estímulo das enzimas -amilase e malato desidrogenase sugerem que houve um aumento no fornecimento de substratos e cofatores necessários para os processos biossintéticos da planta daninha. A presença de glicose no meio extracelular não alterou o desenvolvimento de A. hybridus, mas o sorbitol 1,0 g% exerceu forte efeito estimulador. Em U. decumbens por sua vez, o sorbitol foi inativo e a glicose nas concentrações mais baixas de 0,1 a 1,0 g% estimulou o crescimento da planta daninha. Entretanto, efeito oposto de inibição foi exercido pela glicose 1,0 g%. Ensaios de cromatografia em camada delgada indicaram a presença de açúcares livres no extrato aquoso de CR, mas não de CT, indicando que esses podem ter contribuído, ao menos em parte, para o estímulo no crescimento das plantas daninhas A. hybridus e U. decumbens. Em A. hybridus o GABA, na concentração de 5 mM, estimulou o crescimento dos caules primários e na concentração de 10 mM aumentou a biomassa seca total das plântulas. Em U. decumbens o GABA reduziu o crescimento das raízes primárias nas concentrações menores, mas em concentrações maiores (10 mM) o GABA estimulou o crescimento dos caules. Os efeitos exercidos pelo GABA nas duas plantas daninhas são consistentes com a hipótese de envolvimento deste composto nos efeitos dos extratos aquosos de CR e CT.
CONCLUSÃO – O presente trabalho demonstrou que as plantas daninhas são sensíveis à ação de compostos existentes nas palhadas de Crambe e de Crotalária. Os compostos mais solúveis em água (extratos aquosos) exerceram efeitos estimulatórios sobre o crescimento das plantas daninhas enquanto que os compostos menos solúveis em água (apolares) exerceram efeitos inibitórios. Os efeitos estimulatórios do extrato aquoso de CR foram mais potentes do que os de CT, havendo diferenças qualitativas e quantitativas nos efeitos induzidos na A. hybridus e na U. decumbens. O efeito estimulador do extrato aquoso de CT não se deve a um efeito na atividade respiratória mitocondrial, mas parece estar relacionado a um estímulo nos processos biossintéticos das plantas daninhas, visto que foi observado um aumento na atividade da -amilase e da malato desidrogenase. Os compostos apolares da palhada de Crotalária são potenciais agentes herbicidas, pois exerceram forte efeito inibidor sobre o desenvolvimento das plantas daninhas. Por outro lado, dentre os compostos existentes nos extratos aquosos tanto de CR como de Crotalária CT pode haver compostos que atuam como reguladores de crescimento. Esses resultados serão utilizados como base para os estudos subsequentes de identificação da natureza química dos compostos ativos existentes nas palhadas bem como de seus modos de ação nas plantas daninhas.