A filosofia Crítica de Immanuel Kant pode ser dividida em três momentos
fundamentais, cada um deles representado por uma obra. Em resumo, a primeira
delas, a Crítica da Razão Pura, é uma investigação sobre os limites do
conhecimento teórico que, por um lado, exibe as bases transcendentais de
constituição da natureza, que legitimam os conhecimentos apodíticos das ciências
duras nesse domínio, e, por outro, limita o conhecimento teórico aos objetos da
experiência, embora confirme que não há contradição em pensar como possível uma
causalidade livre, a liberdade. A segunda obra, a Crítica da Razão Prática,
confirmará a realidade prática da idéia de liberdade, através do reconhecimento
de um domínio que a razão ocupa com as suas próprias leis, que determinam que a
vontade se dirija para a construção do que deve ser uma humanidade livre.
Contudo, considerando que o livre-arbítrio permite que a lei moral não seja
atendida, e o mal radical da natureza humana que nas suas escolhas se inclina
para o não cumprimento da lei, as idéias da imortalidade da alma e de Deus, que
nos limites da primeira Crítica só puderam ser reconhecidas como legítimas por
sua função regulativa para o conhecimento teórico, são atestadas como um
postulado necessário da razão prática para a possibilidade do Sumo Bem, apesar
de não resultarem em um conhecimento sobre a natureza, domínio onde devem ser
realizadas historicamente as exigências da razão prática. A terceira Crítica,
intitulada Crítica da Faculdade de Julgar, revela em sua Introdução, ao declarar
que restou um abismo entre os conceitos de natureza e de liberdade, pela
heterogeneidade de suas leis, o interesse sistemático na Faculdade de Julgar
como a via de possibilidade para a passagem por sobre o abismo. A presente
pesquisa apresenta uma interpretação sobre as duas primeiras obras Críticas para
mostrar a constituição de cada um dos dois domínios do conhecimento filosófico e
a limitação destas obras no que se refere à exigência da razão sobre a
possibilidade da consumação do fim terminal: a realização moral da humanidade na
natureza. Em seguida, interpreta a terceira Crítica, para mostrar como a
Faculdade de Julgar Estética, orientada por um princípio próprio de uma
conformidade a fins da natureza, ao julgar a beleza de certos objetos da
natureza e das belas-artes, revela que a natureza, para além dos limites
mecânicos do entendimento, convém à harmonia das faculdades do conhecimento, o
que a razão toma analogicamente como conforme aos seus interesses morais. Além
disso, a consideração sobre a capacidade de criação da arte bela pelo gênio, e
da imaginação na apresentação de idéias estéticas, alimentam a esperança sobre a
capacidade humana para satisfazer as exigências da razão. Temos assim, por meio
da Faculdade de Julgar Estética e da sua ligação com o sentimento de prazer e
desprazer, uma experiência estética que realiza a passagem, ao ampliar, pelo
sentimento ligado às faculdades de conhecimento, o conceito de natureza
apresentado pela primeira Crítica, e aproximar a natureza da liberdade,
permitindo integrar as duas partes da filosofia em um sistema completo.