A neurodegeneração dopaminérgica na substancia nigra pars compacta (SNpc) é responsável pela deficiência motora observada na doença de Parkinson (DP). No entanto, os mecanismos moleculares iniciais subjacentes a este processo ainda não foram completamente elucidados principalmente devido ao fato de que, no momento do diagnóstico, 50-70% dos neurônios dopaminérgicos já foram degenerados. Devido à inacessibilidade do cérebro humano para o estudo dos mecanismos patogênicos iniciais da doença, modelos experimentais foram desenvolvidos na tentativa de elucidar a etiologia e a progressão da DP. No entanto, os modelos da DP são uma questão controversa, uma vez que é difícil mimetizar a complexidade neuronal humana. Portanto, a falta de modelos que recriam a patologia da doença é uma das causas do insucesso dos ensaios clínicos que objetivam encontrar novas e ou melhores terapias para a DP. Considerando isso, o desenvolvimento de modelos mais adequados é necessário para melhorar nosso conhecimento sobre os mecanismos etiológicos da DP. Além disso, a compreensão das vantagens e desvantagens de modelos já estabelecidos também poderia contribuir para a pesquisa da DP, e por isso, fizemos uma revisão bibliográfica sobre este assunto. Após esta análise, escolhemos as células SH-SY5Y como um modelo da DP para os nossos estudos. Para investigar os estágios iniciais da neurodegeneração encontrados na DP, nosso trabalho focou no papel da cofilina-1, uma proteína envolvida na disfunção mitocondrial causada por apoptose induzida por oxidantes, que são dois processos patogênicos fortemente relacionados com a DP. Dessa forma, o objetivo desta tese foi validar o uso das células SH-SY5Y diferenciadas induzidas pelo ácido retinóico (AR) como um modelo in vitro e usá-las para investigar o potencial papel da proteína cofilina-1 nos mecanismos moleculares e celulares iniciais da DP. Embora as células SH-SY5Y sejam amplamente utilizadas na pesquisa da DP, a sua principal desvantagem é a falta de importantes características neuronais, tais como baixos níveis de proliferação e morfologia estrelada. Por outro lado, as células SH-SY5Y podem adquirir um fenótipo neuronal quando tratadas com agentes de diferenciação tais como AR. Como vários protocolos têm sido descritos, existem diferentes resultados entre os estudos com relação às características neuronais e dopaminérgicas. No Capítulo I, objetivou-se validar um protocolo de diferenciação induzido por AR para células SH-SY5Y previamente estabelecido pelo nosso grupo, com foco na caracterização neuronal e sua resposta à 6-hidroxidopamina (6-OHDA), uma toxina utilizada como modelo de degeneração dopaminérgica. As células SH-SY5Y diferenciadas apresentaram baixas taxas de proliferação, uma morfologia
estrelada e alta expressão de genes relacionados com o ciclo da vesícula sináptica, síntese/degradação de dopamina e transportador de dopamina (DAT). Depois de explorar as diferenças fenotípicas entre esses dois modelos, verificamos que as células SH-SY5Y diferenciadas são mais sensíveis à toxicidade de 6-OHDA do que as células indiferenciadas, o que pode estar relacionado ao aumento do imunocontato do DAT. Estudos prévios mostraram que o DAT é responsável pela captação de 6-OHDA in vivo. Uma vez dentro do neurônio, esta toxina sofre auto-oxidação causando um aumento significativo no estresse oxidativo. No entanto, este processo nunca foi obervado em células SH-SY5Y indiferenciadas, uma vez que foi demonstrado que a auto-oxidação ocorre no meio extracelular. O nosso trabalho mostrou, pela primeira vez, que as células SH-SY5Y diferenciadas podem mimetizar, pelo menos em parte, um mecanismo importante da morte celular induzida por 6-OHDA encontrada em estudos in vivo anteriores. Assim, o modelo celular estabelecido pelo nosso grupo apresenta características neuronais essenciais, sendo um modelo adequado para a pesquisa da DP. No Capítulo II, as células SH-SY5Y diferenciadas foram utilizadas como modelo celular para investigar os mecanismos moleculares da doença, com foco na cofilina-1. Nossos dados anteriores mostraram que a oxidação da cofilina-1 não-fosforilada (ativada) leva à disfunção mitocondrial e morte celular induzida por apoptose em células tumorais. O nosso trabalho mostrou que a cofilina-1 pode mediar os estágios iniciais da apoptose neuronal induzida por 6-OHDA no nosso modelo celular, uma vez que a translocação da cofilin-1 para o compartimento mitocondrial precede a disfunção desta organela. A superexpressão do gene CFL1 (selvagem) resultou num aumento da sensibilidade das células SH-SY5Y à morte induzida por 6-OHDA. Além disso, a expressão do gene CFL1 não oxidável contendo mutações de Cys para Ala (posições 39, 80 e 139) aumentou a resistência a esta toxina, sugerindo que a oxidação é um passo importante na toxicidade da 6-OHDA. Também foram realizados experimentos para avaliar clinicamente se o conteúdo de proteínas da via da cofilina-1 está alterado em pacientes com a DP, através do uso de tecidos cerebrais humanos postmortem. Nossos resultados mostraram uma diminuição significativa na relação p-cofilina-1/cofilina-1 em pacientes com a DP, o que indica um aumento na quantidade de cofilina-1 ativada disponível para oxidação. Além disso, através da análise de componentes principais, a imunodetecção de proteínas da via de cofilina-1 foi capaz de discriminar os indivíduos controles e DP durante os estágios iniciais das alterações neuropatológicas. Desta forma, demonstrou-se, pela primeira vez, um possível papel da cofilina-1 na patogênese da DP e seu potencial uso como biomarcador. Dessa forma, os nossos dados mostraram que as células SH-SY5Y diferenciadas apresentam características neuronais e dopaminérgicas, que são essenciais para mimetizar neurônios dopaminérgicos da SNpc. Ao usar este modelo celular e tecidos cerebrais postmortem, também demonstramos um possível papel da cofilina-1 nas etapas iniciais do processo de neurodegeneração encontrado na DP, o que poderia impactar pesquisas relacionadas a descobertas de fármacos para potenciais terapias e biomarcadores.