Este trabalho buscou entender o processo de legitimação identitária étnica, cultural e a
ressignificação territorial do grupo Indígena Cassupá/Salamãi, na área urbana da cidade de
Porto Velho/RO. Este é o único grupo que, depois de 45 anos de luta e resistência contra as
condições impostas pelo Estado brasileiro e pela sociedade envolvente, conseguiu estabelecer
e ressignificar a sua territorialidade no ambiente urbano do estado de Rondônia. Como
agentes de transformação, foram responsáveis pela criação do primeiro território indígena
urbano e pela primeira referência de autoafirmação identitária fora de um espaço que, ao olhar
da sociedade envolvente, não representa a sua originalidade (neste caso, o espaço da floresta),
produzindo um contexto inteiramente novo, que à primeira vista, parece conduzir a um novo
contexto histórico, na medida em que o grupo se abre aos seus anseios, enquanto coletivo, em
diálogo com as novas dinâmicas estabelecidas no espaço geográfico. A iniciativa de abordar a
ressignificação territorial e autoafirmação étnica do coletivo Cassupá/Salamãi, a partir da
categoria de análise do território, foi motivada, principalmente, pela escassez de trabalhos
acadêmicos que tomassem essa dimensão, como elemento importante da formação multiétnica
da população amazônica, em contraste com as obras que colocam as comunidades aldeadas
como preponderantes na formação da cultura local e para elevar a importância destes grupos
que se encontram invibilizados e excluídos dos direitos de se reconhecerem indígenas. O
estudo foi construído sobre uma abordagem que privilegia a perspectiva temporal, onde foram
buscadas as raízes da identidade étnica do grupo, através do processo histórico e dos choques
interétinicos materializados nos espaços vividos ao longo do tempo que delinearam o modo
de ser Cassupá/Salamãi na cidade. Neste aspecto, a memória constitui o elemento que atua
como aglutinador dessas experiências que se mantiveram registradas no imaginário do grupo,
explicando as permanências e resistências experimentadas ao longo dessa história.
Retrocedendo aos primórdios da instalação da Linha Telegráfica do Amazonas ao Mato
Grosso e da implantação do Serviço de Proteção ao Índio – SPI que, com seu projeto
salvacionista, concretizou, através da política de integração, a fusão de grupos étnicos à
sociedade envolvente, produzindo assim, a invisibilidade das populações nativas que
assimilaram as formas sociais e culturais da sociedade envolvente, desconfigurando crenças,
mitos e ritos peculiares aos povos originários, resultantes de processos de choques, sobre
tudo, entre os grupos que apresentavam menores números de indivíduos; um marco
fundamental para o fim da política de integração da população indígena. A sociedade
envolvente foi constituinte de 1988, conquistando aí o direito a sua forma de organização,
religiosidade, cultura e territorialidade, porém, para alguns grupos, como foi o caso do
Cassupá/Salamãi, a constituição de 1988 não chegou a tempo de evitar as perdas às quais os
grupos foram submetidos nas décadas de 1940, 1950, 1960 e 1970. Daí a necessidade de
compreender a forma complexa de inserção destas populações na sociedade envolvente, uma
vez que estes grupos estabelecem mecanismos de resistência para não perderem suas
referências identitárias e de serem originários do Estado Brasileiro, sendo que, esse Estado de
Direito, não os reconheceu enquanto filhos primeiros desta terra. O trabalho foi embasado por
meio de pesquisa participante e entrevistas.