No contexto tecnocultural da sociedade de consumo contemporânea, observamos uma crescente virtualização das relações humanas. Os indivíduos transformam-se em potenciais terminais receptores e transmissores de dados via web, sendo grande parte destes, alusivos a imagens. Neste cenário, destacam-se os selfies, autorretratos capturados via smartphone ou webcam para o compartilhamento em redes sociais. Esta prática tem crescido e abarcado diferentes aspectos da vida: a hora de dormir (bedtimeselfie), de dirigir automóveis (drivingselfie) e, até mesmo, do sexo (aftersexselfie). Há, ainda, selfies como o braggie, que busca gerar inveja através da ostentação de objetos e vivências socialmente desejáveis. Logo, os selfies tornaram-se um importante veículo de difusão de ideais e estilos de vida contemporâneos. Este trabalho se propôs a analisar o fenômeno selfie, considerando o culto à autoexposição estetizada e modelada por ideais de consumo, bem como refletir sobre as repercussões deste fenômeno na subjetividade e sociabilidade dos indivíduos. Para este fim, utilizamos a Teoria Crítica da Escola de Frankfurt, bem como de críticos da cultura contemporânea que tematizam acerca de conceitos como Sociedade de Consumo, Tecnocultura, Indústria Cultural e Sociedade do Espetáculo. Metodologicamente, nos valemos da abordagem micrológica da Teoria Crítica, que concebe o particular como um valioso índice que remete ao todo. Logo, além de compreender o fenômeno selfie como um índice capaz de desvelar a totalidade de ideais culturais contemporâneos, também foi utilizada esta abordagem durante a coleta de dados: selfies, reportagens, hashtags, comentários de cibernautas, documentários, tutoriais e vídeos. Portanto, no decorrer deste trabalho, realizamos uma análise teórico-crítica, articulando prática e teoria, findando por erigir três categorias-chaves a partir da recorrência de certos temas: Dolce Vita, Telerrealidade e Corpo Ideal. A primeira refere-se a certo estilo de vida encontrado nas imagens, ao passo que a segunda alude à ambiência, que compõe este estilo de vida. Quanto à terceira, relaciona-se ao corpo nestas imagens. Nossas reflexões finais apontam para o selfie como um fenômeno de consumo do eu e do outro, de modo que observamos o espelhamento de aspectos da sociedade de consumo em suas diversas facetas - tipos, finalidade, busca por selfies perfeitos e por curtidas. Busca-se, pois, capturar o olhar do outro através do que lhe é familiar: a linguagem publicitária, espécie de idioma da indústria cultural. Almeja-se, enfim, o espetáculo, porque este se tornou um modo de existir total, concernente tanto a produtos quanto a pessoas: ele engloba a cena social. Daí a relevância deste estudo para a contemporaneidade, especialmente para a psicologia social crítica. Ainda, nesta investigação desvelam-se indivíduos imersos no clima homogeneizante de bens culturais produzidos por uma indústria cultural exacerbada pela tecnocultura. Logo, a produção deste indivíduo, isto é, a maneira que ele escolhe para autorretratar-se, espelha esta “pedagogia do existir” ou “pedagogia da visão”, na qual visibilidade e existência encontram-se, muitas vezes, sobrepostos.