Juazeiro do Norte no Ceará, “porto seguro dos náufragos da vida”, conforme testamentou o
seu santo propulsor e prefeito, o Padre Cícero Romão Baptista (1834-1934), o mais alto no
hagiológio popular brasileiro, constituiu-se como um território de abrigo para culturas
clandestinas, combatidas e silenciadas no violento processo de colonização, de formação do
Estado Nação, globalização da economia e mundialização da cultura no Brasil. No território
sagrado, os embates entre as culturas populares clandestinas e as culturas capitalistas profanas
são agudos e os grupos tidos por mais fracos são obrigados a assumir táticas de resistência,
fazem trampolinagens com o poder que os deprecia, explora, desvirtua e tenta descartar os
saberes tradicionais. As memórias, as culturas e os saberes clandestinos vêm sendo
continuados pelos mestres da cultura, os moradores e romeiros mais pobres, com uma
identidade narrativa que passa por santidades indígenas, Quilombo de Palmares, pela ação dos
beatos e do Padre Cícero, que se reterritorializam e ressemantizam nos ritos dos grupos
populares do Reisado no Ciclo de Reis, nomeados de Quilombo pelos praticantes da tradição
natalina. A pesquisa, que tem no processo fílmico do documentário Dia de Quilombo o eixo
de desenvolvimento e principal fonte etnográfica, implicou a exegese de imagens produzidas
junto com os diferenciados praticantes do Quilombo entre 2004 e 2015, em busca de
investigar as bases materiais e simbólicas do festejo, a identidade narrativa do Quilombo e do
Juazeiro do Padre Cícero. Em resposta aos conflitos e às injustiças do presente, os mestres das
culturas tradicionais discutiram a validade tática do Registro do Quilombo como patrimônio
imaterial e também organizaram políticas para implantação de uma Universidade da Cultura
Popular junto com o município. Por meio das políticas públicas de Cultura, problematizaram
a transmissão dos saberes, com a adequação de condutas institucionais em prol de uma
condição de vida desejável para as comunidades brincantes.