Introdução: A Esclerose Sistêmica (ES) é uma doença autoimune crônica
caracterizada por vasculopatia, ativação imune e fibrose. O envolvimento
neurológico foi, outrora, considerado raro e associado a complicações da doença.
Nas últimas décadas, no entanto, prevalências maiores de alterações
neuropsiquiátricas foram descritas e associações à fisiopatologia da doença foram
aventadas. Estudos recentes demonstram hipofluxo cerebral e lesões hiperintensas
em substância branca encefálica, sugerindo comprometimento da microcirculação.
Em conformidade, eventos isquêmicos associados ao comprometimento da
macrovasculatura também foram mais prevalentes na doença. No entanto, poucos
são os estudos que avaliam alterações metabólicas e fatores de risco
cardiovasculares na ES, com apenas um estudo quantificando a prevalência de
síndrome metabólica (SM). Deste modo, ainda carece a identificação de fatores de
risco para o envolvimento neurológico na ES, bem como a determinação e
caracterização da SM na doença.
Objetivo: Descrever a frequência e as características do envolvimento
neuropsiquiátrico e da SM na ES, determinar variáveis clínicas e imunológicas
associadas a suas ocorrências e avaliar a associação entre a SM e o
comprometimento neurológico na doença.
Pacientes e métodos: Foram selecionados pacientes consecutivos do ambulatório
de Reumatologia do HC-UNICAMP. O envolvimento neurológico foi avaliado
clinicamente e exames complementares foram realizados caso houvesse alteração
clínica. Transtornos de humor e ansiedade foram avaliados pelos inventários de
depressão e ansiedade de Beck. Alterações cognitivas foram pesquisadas pela
Avaliação Cognitiva de Montreal (MoCA). Atividade e gravidade da ES foram
estabelecidas por meio do índice de atividade de Valentini e da escala de gravidade
de Medsger. SM foi definida pelo critério diagnóstico do JIS.
Resultados: Foram incluídos 151 pacientes [134 (88,74%) mulheres] com média de
idade de 50,51 (±12,43) anos e 118 controles pareados para idade e sexo. O tempo
médio de doença foi de 10,65 (±7,11) anos. Noventa e quatro (62,25%) pacientes
tinham ES limitada, 42 (27,81%) ES difusa, 12 (7,95%) ES sine scleroderma e 3
(1,99%) doença precoce. SM estava presente em 65 (43,05%) dos pacientes e 23
(19,49%) dos controles (p<0,001) e foi associada a uma maior gravidade vascular da doença (p=0,005). Cento e dez pacientes (72,85%) completaram a avaliação neurológica. Alterações neuropsiquiátricas estavam presentes em 92 (83,64%) pacientes. Alteração cognitiva 68/83 (81,93%) e transtornos de humor e ansiedade [81 (73,64%)] foram os envolvimentos mais prevalentes. Comprometimento do sistema nervoso periférico foi identificado em 59 (53,64%) pacientes. Presença do anticorpo anti-topoisomerase I (p=0,03), atividade de doença (p=0,04), maior gravidade vascular (p=0,014) e geral (p=0,02) da doença foram associados a manifestações neuropsiquiátricas específicas. Exceto pela associação de diabetes mellitus tipo 2 (DM2) e alterações cognitivas (p=0,043), não houve outras associações de fatores de risco para doença cardiovasculares ou de síndrome metabólica com envolvimento neuropsiquiátrico. Correlação negativa entre níveis de hemoglobina glicada (r= -0,428; p=0,002) e escores obtidos no MoCA foi observada.
Conclusão: O envolvimento neuropsiquiátrico e a SM foram comuns em nossa amostra de pacientes. Atividade e gravidade de doença, bem como características imunológicas foram associadas a manifestações neurológicas específicas. Exceto pela presença de DM2, não houve evidência da associação de características metabólicas com o comprometimento neurológico.