Porque muitos etnólogos sentiram a necessidade de escrever, ao lado de seus escritos
científicos, um relato de cunho literário ? As monografias etnográficas eludem geralmente o
relato do encontro entre o explorador e o indígena — o Índio, por exemplo. No entanto, esse
encontro não é apenas um momento-chave por dele depender o êxito da pesquisa de terreno,
mas também por conter, em si próprio, elementos essenciais da experiência etnográfica.
Comparando inúmeros romances, Jean Rousset revelou a estrutura da cena de encontro, que
se divide em efeito, troca e ultrapassagem. Logo, a cena de primeiro contato, nos relatos de
exploração, revela-se original pelas preliminares : pelo fato de ser antecipada e até provocada.
Todos os elementos que compõem, segundo Rousset, a localização do encontro permitem
definir melhor as condições do primeiro contato, e de frisar a importância da distância que
separa os protagonistas. O efeito é provocado pelo olhar : é portanto uma « primeira vista »,
na qual se reconhece também o leque de suas manifestações físicas. No entanto, esse efeito
não se deve à percepção imediata de uma milagrosa afinidade, mas à de duas séries de
elementos opostos : tudo o que faz do Índio, para o explorador, um ser diferente, e tudo o que
faz desse, ao mesmo tempo, um ser semelhante. O efeito mescla então no explorador dois
sentimentos igualmente contraditórios : a rejeição e o reconhecimento. Na troca se notam
também todas as modalidades estabelecidas por Rousset, desde as trocas felizes até as trocas
enganosas, nas quais os desentendimentos podem provocar as mais trágicas consequências.
No entanto, a cena de primeiro contato se distingue pela troca material, em suas diversas
formas, o dom revelando-se o mais propício para firmar uma aliança entre o explorador e o
Índio. Finalmente, a ultrapassagem, última etapa do encontro, expressa de maneira simbólica
a união dos corpos : à aproximação que autoriza um contato físico, podem seguir várias
formas de apropriação do Outro, como a imitação ou a ingestão. Portanto, o estudo da cena de
primeiro contato permite assimilar estruturalmente o encontro do explorador com o Índio a
um encontro amoroso, frisando ao mesmo tempo suas peculiaridades. Por outro lado, permite
também entender melhor porque os etnógrafos recorrem à literatura : só ela pode juntar dois
aspetos contraditórios, e mostrar como, no Índio, a maior alteridade se une à mais profunda
similaridade. O que, de fato, revela a dimensão amorosa do primeiro contato, é um certo
narcisismo: pois, o que o explorador admira tanto nesse Índio muito diferente, é o reflexo de
sua própria humanidade.