Considerando os estudos de estilo da tradução, no contexto dos Estudos da Tradução
baseados em Corpus (BAKER, 2000; SALDANHA, 2011; WALDER, 2013), esta tese
apresenta um estudo dos traços estilísticos de um tradutor literário sob a perspectiva da
convencionalidade e da análise de mudanças na tradução (shifts). O objetivo foi
verificar a existência de um conjunto de padrões de escolhas do tradutor a respeito da
convencionalidade (BAKER, 2007) em língua portuguesa brasileira que pudesse ser
encontrado tanto nos seus textos traduzidos quanto nos seus textos não traduzidos, e as
consequências dessas escolhas para a construção de significado nos textos traduzidos.
Foram investigadas também as mudanças na tradução identificadas no cotexto de
ocorrência dos elementos de convencionalidade analisados a fim de se obter mais
informações sobre as preferências linguísticas do tradutor (PEKKANEN, 2010;
BLAUTH 2015). Saldanha (2011), parte do trabalho pioneiro de Baker (2000) sobre
estilo da tradução em corpus comparável, propondo uma abordagem combinada para
investigação do estilo do tradutor e estilo do texto traduzido em corpus paralelo, a qual
permitiria diferenciar marcas do estilo do tradutor das interferências do estilo dos
autores dos textos-fonte. Baker (2007) inaugura o estudo da convencionalidade
associado ao estilo do tradutor, valendo-se de um corpus comparável e aponta a
necessidade de aprofundar sua investigação em um corpus paralelo. Munday (2008),
que investiga o estilo do tradutor de uma perspectiva distinta dos Estudos da Tradução
baseados em Corpus, encontra indícios de padronização da voz dos autores quando
traduzidos por um mesmo tradutor e associa o uso da convencionalidade à criatividade.
Walder (2013) parte dos resultados desses trabalhos e investiga as escolhas de um
tradutor através do cotejamento entre um corpus de textos traduzidos e de textos não
traduzidos desse tradutor/autor. No contexto do GRANT, Magalhães e Barcellos (2015)
e Magalhães e Blauth (2015) enfocaram o estilo do tradutor em corpus paralelo sem
tratar especificamente da convencionalidade em textos traduzidos ou de sua relação com
a criatividade do tradutor. O presente trabalho se propõe a preencher as lacunas
encontradas nos trabalhos citados, investigando a convencionalidade relacionada
explicitamente à criatividade, da perspectiva do estilo do tradutor e do texto traduzido
em um corpus de estudo que engloba textos traduzidos e não traduzidos de um mesmo
tradutor/autor. Para esta pesquisa, foram compilados três corpora: 1) um corpus de
textos traduzidos para a língua portuguesa brasileira por Paulo Henriques Britto, 2) um
corpus de textos não traduzidos escritos em língua portuguesa brasileira por Paulo
Henriques Britto, e 3) um corpus paralelo de contos escritos em inglês americano, dos
autores Philip Roth, John Updike, e Jhumpa Lahiri, e suas traduções para o português
brasileiro, de Paulo Henriques Britto. Foram utilizados ainda dois corpora de consulta
(COMPARA e ESTRA) para obter frequências de referência, em língua portuguesa
brasileira, quanto ao emprego dos elementos de convencionalidade investigados nos
textos de Britto. Na primeira fase desta pesquisa, foram analisados os dados estatísticos
do corpus de estudo obtidos com o auxílio do programa WordSmith Tools© 6.0
(SCOTT, 2012) e foi feita a contabilização de elementos relacionados à
convencionalidade (BRITTO, 2012) em língua portuguesa em vários níveis (morfema,
palavra, grupo e oração). Na segunda fase, foram investigadas as mudanças na tradução
(CATFORD, [1965] 1978) no cotexto dos elementos de convencionalidade destacados
na primeira fase. A metodologia de investigação adotada seguiu os preceitos postulados
pela Linguística de Corpus e compreendeu compilação, preparação, alinhamento e
etiquetagem dos textos para posterior análise com o auxílio do programa WordSmith Tools© 6.0. Os resultados indicaram que Britto fez um conjunto de escolhas distinto
para os textos traduzidos de cada autor do corpus, sendo influenciado, embora não de
maneira determinante, pelo estilo dos autores dos textos-fonte. Em geral, as escolhas
linguísticas de Britto em relação ao emprego de expressões convencionais aumentaram
o grau de coloquialidade dos textos traduzidos quando comparados aos seus respectivos
textos-fonte. Além disso, o padrão de escolhas identificado nos seus textos não
traduzidos dialoga com o padrão de escolhas identificado nos seus textos traduzidos, em
particular com o conjunto de textos traduzidos a partir da obra de Roth. A mudança na
tradução mais frequente foi o acréscimo (subcategoria da amplificação). Essas
instâncias de acréscimo não estavam diretamente relacionadas à explicitação, mas sim à
inserção de expressões convencionais típicas da língua portuguesa, sobretudo quando
não havia motivação clara para isso nos textos-fonte. Britto fez uso ainda do recurso de
sanitização, apagando algumas referências culturais presentes nos textos-fonte.
Entretanto, o número de ocorrências de uso criativo da linguagem realizadas pelo
tradutor superou o uso de sanitização, corroborando os dados de Munday (2008) e
refutando, até certo ponto, o que foi postulado por Baker (1999, 2000).