A filosofia da consciência continua muito presente no âmbito jurídico, por meio da face do subjetivismo judicial e das decisões conforme a consciência, mesmo após a ruptura paradigmática causada pela Reviravolta Linguística e pelas importantes contribuições de Wittgenstein, Heidegger e Gadamer. Nesse sentido, o conceito de dignidade da pessoa humana, que após a Constituição Federal de 1988 teve sua
importância amplificada, é utilizado pelo Supremo Tribunal Federal, principalmente nas decisões do controle concentrado de constitucionalidade, como fundamento para todos os casos que envolvam direitos fundamentais, ainda que como mero argumento de autoridade, motivo pelo qual seu conceito é muitas vezes
discricionário e apresentado de modo subjetivista ou com a pretensão de ter uma essência que o caracteriza como sinônimo de algum direito ou conjunto de determinados direitos fundamentais. Por uma análise dos votos dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, observa-se que a dignidade é, não raras vezes, utilizada
como fundamento para definir a constitucionalidade ou não de uma lei ou ato normativo sem que a própria dignidade tenha exposto o seu sentido. O problema abordado, então, trata-se da indagação: como a hermenêutica filosófica de Gadamer pode superar a definição solipsista e de cunho essencialista do conceito de dignidade da pessoa humana atribuído pela doutrina brasileira e pelo Supremo Tribunal Federal? O objetivo é apresentar as contribuições do projeto gadameriano para uma compreensão do conceito de dignidade da pessoa humana de uma forma que considere os Giros Linguístico e Hermenêutico. Assim, a hermenêutica filosófica de Gadamer pode contribuir significativamente para a compreensão do conceito de
dignidade, a partir da ideia de que toda compreensão é sempre preconceituosa e originada da tradição linguística, não havendo um grau zero de sentido do qual a consciência, por si só e prescindindo da linguagem, atribua o significado do conceito. Da mesma forma, não é possível uma compreensão abstrata, de modo que não existem conceitos imutáveis e com uma essência fixa, haja vista que a compreensão
é inseparável da aplicação. Nesse diapasão, recusa-se também a crítica de Habermas, de que faltaria ao projeto gadameriano a possibilidade de contestação consciente e a crítica aos preconceitos, pois estamos sempre imersos numa tradição, da qual não podemos ser meros expectadores. Destarte, conclui-se que,
estando cientes de que todo o processo interpretativo é preconceituoso e imerso na tradição em que estamos, é possível conceituar a dignidade da pessoa humana sem pressupor uma equivocada possibilidade de defini-la de forma essencialista ou a partir da consciência.