O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) caracteriza-se por ser uma das mais antigas políticas públicas do país sendo bem aceito e implantado na sociedade. O PNAE consiste em uma importante estratégia de promoção a segurança alimentar e nutricional (SAN), visto que por meio da oferta de alimentação nutricionalmente adequada, o Programa passa a atuar no processo de ensino e aprendizagem, permitindo a afirmação da cultura local e contribuindo para a redução da vulnerabilidade social. Observa-se que a insegurança alimentar e nutricional (InSan) é observada nos escolares
na forma de desnutrição, sobrepeso e obesidade, evidenciando hábitos alimentares inadequados. A literatura relata que a exposição à InSan no período da infância está associada a piores desfechos na saúde. De maneira geral, a InSan estaria associada ao excesso de peso e a fatores de risco cardiometabólicos como resistência à insulina, hipertensão arterial, inflamação e doenças crônicas que podem ter seu desenvolvimento no período da infância. Nesse sentido, o objetivo deste estudo foi avaliar a atuação do PNAE e os fatores associados à situação de InSan em crianças de 8 e 9 anos de escolas públicas de Viçosa, Minas Gerais, Brasil. Trata-se de um estudo transversal realizado com 268 crianças de 8 e 9 anos e seus responsáveis. Todas as crianças estavam matriculadas em escolas urbanas públicas do município de Viçosa, MG. O PNAE foi avaliado mediante entrevistas utilizando questionário direcionado às crianças, aos pais e
aos funcionários das escolas buscando conhecer o seu funcionamento. Para melhor entender a estruturação, gestão e atuação desse Programa no município, foram realizadas entrevistas com as nutricionistas responsáveis em âmbito municipal e estadual, com o extensionista da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER) e com o presidente do Conselho de Alimentação Escolar (CAE). A pesagem direta foi realizada em três dias não consecutivos para avaliar a oferta e adequação ao percentual mínimo das necessidades nutricionais ofertada pela alimentação escolar. A avaliação da situação de InSan, da avaliação nutricional e bioquímica foram realizadas em três encontros. O primeiro contou com a aplicação de questionário contendo questões sociais e econômicas, a aplicação da Escala Brasileira
de Insegurança Alimentar (EBIA) e o primeiro recordatório 24 horas (R24h). No segundo momento, foram realizadas as avaliações antropométricas (peso, estatura e perímetro da cintura), de composição corporal (%gordura corporal) por meio do método de absorciometria de raio-x de dupla energia (DEXA), aferição da pressão arterial, coleta de sangue para os exames bioquímicos e a aplicação do segundo R24h. No terceiro momento, foi coletado o terceiro R24h, entregue os resultados dos exames e realizada orientação nutricional às crianças e aos pais. Foi utilizado o Teste t de Student
ou Mann-Whitney para comparação entre duas amostras independentes. O Teste Exato de Fisher e o Teste do qui-quadro de Pearson foram utilizados para avaliar associações entre as variáveis. Análises bivariadas entre a situação de InSan e variáveis sociodemográficas, antropométricas, bioquímicas e de composição corporal foram realizadas. Calculou-se a razão de prevalência (RP) com intervalo de confiança de 95% (IC 95%), além da análise de regressão de Poisson. A atuação do PNAE no município de Viçosa no ano de 2015 foi incipiente, devido a ausência de nutricionistas no PNAE
do município e insuficiência deste profissional na rede estadual. As reuniões do CAE estão suspensas, falta estrutura adequada nas áreas de preparação e distribuição das refeições, as merendeiras não recebem capacitações há 2 anos, os cardápios não atingiram as necessidades nutricionais exigidas e não houve visitas e implementações de
ações de educação alimentar e nutricional (EAN) nas escolas. Observou-se menor adesão à merenda escolar (p=0,02), quantidade consumida não satisfatória (p=0,03), não variada (p=0,005) e hábito de levar lanches de casa (p=0,005) nas escolas estaduais. A maioria dos pais (90,3%) não conhecia o CAE, sendo este percentual maior nas escolas estaduais (p=0,045). Quanto a InSan, a prevalência foi de 57% nas famílias das crianças, sendo 43,3% leve, 10,6% moderada e 3,1% grave. A InSan esteve associada ao excesso de peso das crianças (RP:1,36; IC: 1,11-1,68), à baixa classe social (RP:
2,75; IC95%: 1,01-7,52) e como fator de proteção, o recebimento de auxílio do governo pelas famílias (RP: 0,71; IC: 0,58-0,88). Após avaliação do R24hrs, observou-se que as crianças em InSan apresentaram menor consumo de lipídios (p=0,001), de gordura saturada (p=0,001), de gordura monoinsaturada (p=0,011), de cálcio (p<0,001), de ferro
(p=0,023), de fósforo (p<0,001) e de zinco (p=0,007). Além disto, estas crianças apresentaram maior prevalência de inadequação pela Estimated Average Requirement (EAR) para o consumo de cálcio (p<0,001). Os resultados deste estudo visam chamar a atenção do poder público e dos profissionais de saúde para a fiscalização e melhoria das situações inadequadas envolvendo o PNAE, bem como, a situação de InSan que acomete populações vulneráveis, tais como as crianças.